Eliane Cantanhêde (*)
Ao desembarcar em Buenos Aires no dia 31 para sua primeira visita internacional depois de eleita, Dilma Rousseff vai enfrentar a maior saia justa - ou melhor, o maior lenço justo.
A Argentina revogou a anistia para permitir que os torturadores da ditadura fossem julgados e punidos. Aqui, diferentemente, o Supremo acaba de ratificar, digamos assim, a Lei da Anistia de 1979.
E se Dilma for chamada a meter na cabeça um daqueles lenços das Mães da Praça de Maio, que desde os anos 1970 cobram justiça e informações sobre o paradeiros de seus filhos e netos? Que interpretação isso terá em Brasília e arredores?
Como mulher, democrata e ex-guerrilheira torturada na juventude, Dilma não pode recusar o lenço, denso de simbologia. Mas, no Brasil, não há consenso para a revisão da Lei da Anistia e a questão não está em pauta neste início de governo, quando Dilma tem outras prioridades. Inclusive não criar turbulências políticas.
O mais provável é um acordão bem costurado entre o Planalto, a Casa Rosada e as duas chancelarias para que Dilma passe ao largo do lenço e do constrangimento. Combinar com "as adversárias" vai ser fácil, porque as Mães da Praça de Maio, líderes da justiça e da luta pelos direitos humanos, foram cooptadas pelo casal Kirchner. Se antes se reuniam na praça, agora tomam chá dentro da Casa Rosada e fazem oposição à oposição.
Mais ou menos como ocorreu no Brasil, onde MST, CUT, UNE e os chamados "movimentos sociais" se recolheram no governo Lula, negligenciando como força de pressão e de cobrança para dizer "amém".
Ao meter o boné do MST na cabeça, Lula provocou uma discussão infindável - e estéril - no seu primeiro ano de governo. Ao pisar na Argentina, Dilma terá de saber se quer ou não usar o lenço branco e que tipo de consequência pretende provocar internamente.
É bem mais do que só saia justa.
(*)Jornalista e Colunista da Folha de São Paulo desde 1997.
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