Rui Daher (*)
"2011, O Ano do Brasil" estampa a capa da edição de janeiro da revista "Globo Rural". Trecho da matéria: "Preços em alta, consumo aquecido e custo de produção menor devem favorecer expansão do setor". Em sua "Carta", o editor manda logo um céu de brigadeiro.
Por seu lado, o jornal "Valor", citando estudo do Rabobank Brasil e usando o mesmo termo do editor da revista, confirma excelente cenário para o campo.
Poder-se-ia ir longe exemplificando encômios midiáticos à excelência do atual estágio da atividade e, confesso, a frase sai rebuscada para se adaptar a conjuntura tão fina.
Se visto de uma forma geral, com pequenas diferenças de intensidades e algumas situações pontuais negativas, próprias do setor, esse é um cenário que se repete há algumas safras.
Desde 2003, o PIB do agronegócio vem crescendo perto de 5,5% ao ano; as exportações - que acabam de bater um novo recorde - a 12%; e o saldo da balança comercial chegou, em 2010, aos expressivos 63 bilhões de dólares.
São dados e notícias que satisfazem os acríticos adoradores do "Brasil Potência Agrícola Mundial", mas que não fazem calar duas perguntas:
1) Por que cargas d'água (estarei sendo politicamente incorreto ao usar o termo num janeiro de clima tão inclemente?), em seu discurso de posse, a presidente Dilma anunciou como prioridade acabar com a miséria no País?
2) O que faz haver tanta gente digladiando sobre a necessidade ou não de se fazer uma reforma agrária?
Primeiro, sabemos todos, apesar dos avanços dos últimos anos estamos longe de ter erradicado a miséria de enormes parcelas da população brasileira. Ainda mais se considerarmos que deixar a miséria é passar a viver do trabalho que se reproduz além dos padrões de renda estabelecidos em nossas estatísticas.
Sair da miséria compreende educar, qualificar para o trabalho e impedir que pessoas morram em portas e corredores de hospitais ou habitem as margens de esgotos a céu aberto.
Quanto à reforma agrária, expressão malandramente estigmatizada por quem teme perder privilégios em transformações sociais, ela é um dever constitucional. Quem não a quiser terá que rasgar a Carta, fato inconcebível no Brasil de hoje.
Falar que de nada adianta ceder áreas e não dar apoio para plantar é martelar num escapismo em que ninguém mais acredita, pois é óbvio serem necessários aparelhos de apoio governamental e de cadeias produtivas ligadas à iniciativa privada. Tudo, porém, só se viabiliza a partir da posse da terra.
Daí que assentamentos do INCRA, sistemas como PRONAF (Agricultura Familiar), PRONERA (Educação na Reforma Agrária) e Territórios da Cidadania, entre outros ligados ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), devem ser cada vez mais estimulados.
Segundo o INCRA, existem hoje no Brasil 8.763 assentamentos, 70% deles nas regiões Norte e Nordeste. Neles, vivem 924 mil famílias que retiram mais de 50% de sua renda da produção agropecuária.
Ocupam 76 milhões de hectares de terra, o que faz pensar que em 60% de área equivalente o Brasil produz 150 milhões de toneladas de grãos. "Apenas" que em condições geográficas, climáticas e tecnológicas completamente diferentes.
Recentemente, um executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), em entrevista à revista "Globo Rural", declarou não ver razão para a existência de dois ministérios para a agropecuária, o da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o MDA.
Concordo. Poderíamos ter apenas o MDA.
Crédito: o título da coluna foi inspirado no excelente livro de Mauro Rosso, "Lima Barreto versus Coelho Neto: Um Fla-Flu Literário", (Difel, RJ - 2010).
(*) Administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola
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