Opinião do Estadão
A presidente Dilma Rousseff vai precisar de uma enorme tesoura fiscal, bem maior do que se imaginava até há poucos dias, se quiser obter o resultado primário programado para o ano: um superávit equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Vai necessitar também de muita articulação e de muita firmeza política, porque haverá uma forte resistência a qualquer esforço de arrumação das contas públicas. As primeiras projeções, divulgadas logo depois da posse, indicavam um corte necessário na faixa de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões. Mas será preciso economizar muito mais - entre R$ 50 bilhões e R$ 64 bilhões segundo novas estimativas citadas em reportagem no Estado. O superávit primário é a economia destinada ao pagamento da dívida pública. Em geral, essa poupança tem coberto só uma parte dos juros.
Já na campanha eleitoral, os principais assessores econômicos da candidata Dilma Rousseff admitiram ser necessário um acerto nas contas públicas. Antes da posse, o ministro Guido Mantega chegou a falar sobre cortes, ou atrasos, até no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Foi logo desautorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o ajuste foi mantido na agenda pela equipe do novo governo e a preocupação com o problema nunca foi desmentida. Fontes ligadas à presidente apenas cuidaram de negar, sempre, a necessidade de uma grande arrumação. Se adotassem linguagem mais franca, endossariam as críticas à farra fiscal dos últimos anos.
Mas, essa farra, liderada pelo Executivo e engrossada alegremente pelos outros dois Poderes, é exatamente a fonte do problema enfrentado hoje pelo governo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve conhecer bem a dimensão do ajuste necessário. Afinal, ocupou o mesmo posto no governo anterior.
A presidente Dilma Rousseff prometeu entregar um superávit primário "cheio e limpo", isto é, sem desconto de investimentos e sem mágicas contábeis. Seu ministro da Fazenda conhece bem esses assuntos. No ano passado, só foi obtido de fato um superávit primário equivalente a 1,5% do PIB, segundo cálculo da Consultoria Tendências.
O desconto de gastos com o PAC é apenas uma parte da maquiagem. Em relação aos investimentos, esse nem é o detalhe mais grave. Todo ano o governo investe muito menos que o orçado, não por economia, mas por incapacidade gerencial.
Distorções muito piores apareceram nos últimos dois ou três anos. Primeiro, o Executivo decidiu aumentar a participação do Tesouro nos desembolsos de bancos estatais. Agravou a promiscuidade entre as instituições de governo e favoreceu grupos escolhidos de forma obscura.
Essas operações foram mantidas no ano passado e, além disso, o Tesouro contribuiu com grande volume de recursos para a capitalização da Petrobrás. Mas, por meio de um truque contábil, parte dessa operação foi registrada como receita do Tesouro. Essa contabilidade criativa também foi usada em outras operações. Os números oficiais foram maquiados, mas a imprensa divulgou a maroteira. De toda forma, os problemas acabariam aparecendo, apesar dos disfarces, como ocorreu, por exemplo, na Grécia. Até agora a presidente Dilma Rousseff se mostra disposta a evitar esse caminho.
Analistas independentes acreditam que, provavelmente, o governo deverá contentar-se com um corte parcial, talvez próximo de R$ 40 bilhões. Já será, argumentam, um avanço, depois dos desmandos praticados nos últimos dois anos. A estimativa dos cortes ainda vai depender da solução de alguns embates políticos. Partidos aliados pressionam, com apoio das centrais sindicais, por um salário mínimo superior aos R$ 545 propostos pelo governo e por uma correção das faixas do Imposto de Renda. Além disso, o governo terá de enfrentar os parlamentares - a começar pelos de sua base - para podar os R$ 25,5 bilhões acrescentados pelos congressistas à previsão da receita. Meter a tesoura nas emendas de parlamentares será muito bom para o País, mas também deverá provocar confrontos muito duros. Mas a presidente não tem muita escolha: quanto mais séria sua atuação neste momento, maiores as possibilidades de realizar um governo produtivo.
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