quinta-feira, 22 de maio de 2014

Copa do Mundo: popularidade em baixa faz empresas ′fugirem′ do evento

Folha de São Paulo 

Rafael Alcadipani
A perda de popularidade da Copa já fez algumas empresas desembarcarem de projetos ligados ao evento, de acordo com Rafael Alcadipani, professor da FGV e um dos maiores especialistas em estudos organizacionais no país. O cenário que recebe o torneio também escancara a improdutividade brasileira. 

Desde o início dos protestos, no ano passado, o acadêmico Rafael Alcadipani envolveu-se em um trabalho de campo para conhecer a organização da polícia nos confrontos.
Para Alcadipani, as manifestações e greves esperadas para a Copa preocupam não só o governo, mas também as empresas, que pressionam governantes para coibir os atos. 

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista. 
Folha – O descontentamento popular com o evento já fez as empresas repensarem suas estratégias? Como? 
Rafael Alcadipani – Muitas empresas pagaram valores altos para associar as suas imagens à Copa. Porém, com a queda de popularidade do evento, algumas destas companhias estão notando que pode ser prejudicial a suas marcas estarem associadas a uma Copa que não está ganhando o coração do brasileiro. Tenho registros de empresas que pretendiam patrocinar eventos, mas que estão muito preocupadas em não serem alvo de protestos e greves. Alguns destes eventos foram sutilmente cancelados. No ano passado, houve ataques a totens corporativos alusivos à Copa em diversas cidades, e não interessa a nenhum patrocinador estar envolvido com algo impopular. Um número expressivo de patrocinadores passou a associar sua imagem à seleção, não mais à Copa, um produto impopular. A marca “Copa no Brasil” é um fiasco. O que resta, do ponto de vista publicitário, é explorar a imagem da seleção. O caso das Fan Fests que tiveram suas organizações repensadas também exemplifica isso. 

F - Falta um mês. Vai ter Copa?
R - Vai. O problema é como. Essa semana a situação já esquentou em São Paulo e no Rio e não se percebe clima de Copa. As pessoas estão com medo do que pode acontecer durante o torneio e esse temor já atinge as empresas. A invasão das empreiteiras nessa semana mostra que marcas ligadas à Copa podem, sim, sofrer represálias de manifestantes. Essas imagens correm o mundo e isso é muito prejudicial para os negócios. 

F - Em artigo para o “Financial Times” em 2013 o senhor dizia que, além da corrupção, a ineficiência é o maior entrave para uma Copa de sucesso. Agora voltamos a ouvir “New York Times” e “Economist” questionando a competência e a produtividade do país. Isso prejudica a atração de investimentos? 
R - Sem dúvida, os atrasos nas obras da Copa e a falta de infraestrutura vão escancarar tudo isso. No fim, o mundo todo vai saber do quanto sofremos nos aeroportos, da violência e das dificuldades de locomoção nos centros urbanos. Estamos acostumados no Brasil com padrões de serviços ruins e caros. Um trabalhador nos EUA produz em um dia o que um brasileiro leva seis dias para fazer. O potencial novo investidor que ainda desconhece essa realidade terá mais noção dos problemas do país, algo que parecia muito distante nos últimos anos, quando o Brasil parecia finalmente ter mudado de patamar. 

F- A possibilidade de exibir o Brasil a um público internacional foi uma das razões que levaram o país a desejar o evento. O chute foi errado? 
R - Foi decidido que teríamos a Copa em uma época áurea do lulismo. Receber Copa e Olimpíada era visto por muitos como o sinal de que o Brasil tinha finalmente dado certo. Hoje, o modelo de desenvolvimento lulista começa a fazer água, e o equívoco de ter embarcado nesta aventura é cada vez mais evidente. E quando o país fica, de fato, em evidência, o que temos para mostrar? No ano passado, o “Times” publicou na capa de seu caderno esportivo o caso de um árbitro decapitado no Maranhão. Recentemente, um torcedor foi atingido por uma privada. É claro que esses fatos só ganharam repercussão mundial por causa da Copa. 

F - Qual é a visão de empresários e acadêmicos sobre os movimentos para criminalizar os protestos? Há preocupação no ambiente corporativo com seu patrimônio? E com as marcas? 
R - O empresariado evita se meter neste tipo de discussão de forma aberta e clara. 
Tanto que muitos dos bancos depredados em protestos não prestam queixa à polícia e não querem se envolver com medo de atrair mídia negativa. Nos bastidores, as empresas pressionam o governo para procurar coibir manifestações. Trata-se de um evento bilionário, e os protestos podem causar prejuízos. Não interessa nem ao governo nem às empresas, muitas da quais financiadoras de campanhas eleitorais, ter manifestação durante a Copa. O maior patrimônio de uma empresa é sua marca, e qualquer exposição negativa preocupa. Alguns acadêmicos da área de negócios também tendem a ser conservadores e se posicionarem pela criminalização. 

F - O senhor está fazendo também um trabalho de campo sobre a segurança nos protestos. No ano passado, houve saques e depredação de lojas. Como a repressão policial terá impacto nos negócios? 
R - Fica muito desagradável para uma marca ter policiais com escudos e cassetetes protegendo algum elemento de publicidade nas ruas, como totens alusivos à Copa do Mundo ou a fachada de seus estabelecimentos. Deixa evidente que o equilíbrio social está rompido. É uma imagem muito impactante a da polícia de choque protegendo um banco, por exemplo. O efeito para a marca pode ser nocivo. Além disso, o clima de tensão e a forte presença da polícia e do exército retira das ruas a espontaneidade ideal para os negócios. E não podemos esquecer que se pensava a princípio que a Copa seria uma grande festa, onde muita coisa seria vendida. Ainda é incerto o que irá acontecer, mas a repressão policial pode ser bem negativa para os negócios em geral. 

F - O senhor esteve em uma audiência com o ministro da Justiça recentemente em que imagino que tenha sido questionado sobre riscos de manifestações na Copa. Quais são os receios do governo do ponto de vista institucional? 
R - Eu acredito que o conteúdo desse tipo de reunião é reservado. Todavia, o governo federal está, com razão, tentando prever as dificuldades que um evento como este pode trazer ao Brasil. 

F - A Copa é bom negócio para o Brasil? 
R - Experiências anteriores revelam que megaeventos esportivos podem não ser tão benéficos como se acreditava quando foram pleiteados. Na Olimpíada de Inverno no Canadá e na Copa do Japão e da Coreia, eventos que já passaram e é possível analisar o legado deixado, houve custos subestimados e benefícios superestimados. Gera lucro para a Fifa e exposição gigantesca para seus patrocinadores. Diferentemente da Copa de 1950, que foi acessível aos brasileiros, a de 2014 é um evento essencialmente corporativo. É um excelente negócio para a Fifa, mas não tão bom para o Brasil, que ficará com estádios caros, de manutenção custosa, sem falar no prejuízo de imagem. Parte das obras de infraestrutura simplesmente não estará pronta. A Copa está se relevando um péssimo negócio para o país. 

F - E se o Brasil vencer a Copa? O que muda na nossa imagem entre as multinacionais? O Neymar pode salvar a pátria? 
R - Acho que nem o Pelé pode nos salvar. Acredito que a questão não é se ganhamos ou perdemos a Copa. Sem dúvida, a eliminação logo no início do torneio teria um impacto negativo. Porém, mesmo ganhando, o mundo já sabe de vários de nossos problemas. 
O dano já está aí, e a mídia internacional é hábil. A questão não é se ganhamos ou perdemos a Copa dentro das quatro linhas, mas sim se ganhamos ou perdemos no planejamento e na execução do evento, evento que tem se mostrado um grande erro.

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