sábado, 22 de fevereiro de 2014

O terror antiterrorista

Cristovam Buarque (*) 

Em 1964, para “defender as liberdades”, os comandantes militares, aliados a parlamentares, destituíram o presidente eleito. Cinquenta anos depois, um governo eleito, aliado a parlamentares, propõe regras para inibir manifestações de rua sob o argumento de “defender o direito de manifestação”. 

Para isso, propõe via Projeto de Lei nº 499 regras que criminalizarão atos cometidos nas manifestações. O senador Pedro Taques apresentou emendas, mas dificilmente mudará o espírito da proposta. 

Uma violência durante manifestação poderá ter penalidade maior do que o mesmo crime cometido fora de manifestação. Um assassino frio que mata uma das 50 mil vítimas por ano nas esquinas de nossas cidades será julgado como assassino, mas se a morte decorrer de ações de tumulto durante uma manifestação o autor poderá ser julgado como terrorista. 

Um jovem que mobiliza seus amigos para um “rolezinho” poderá ser considerado terrorista se, durante a manifestação, ocorrer provocação que termine em balbúrdia com depredação de patrimônio. 
Se der um grito e liberar a raiva da multidão, um passageiro irritado com o péssimo serviço de um ônibus pode ser considerado terrorista, caso ocorra a queima de ônibus em consequência desse grito. Tudo vai depender da interpretação do sistema policial e judiciário. 

Os defensores destas propostas dizem que já esperaram demais por uma lei antiterrorista, mas não explicam porque fazê-la neste momento, nem porque de maneira tão ambígua. Tudo indica que a pressa decorre do clima de mobilização social que o país atravessa. 

Ao invés de entenderem o motivo da insatisfação popular, preferem inibir as manifestações com ameaças de severas penas contra terroristas. 
Encontraram uma maneira moderna de proibir, de inibir as manifestações. 

A proposta é reafirmada graças à hipótese de que o vandalismo teria sido financiado, esquecendo que, no descontentamento atual, não é necessário pagar para que a população deprede ônibus que não lhes atendem.
Nas paradas de ônibus, bastam uns gritos para deslanchar movimentos que quase espontaneamente se fazem violentos e poderão condenar pessoas por terrorismo. 

A sociedade brasileira atravessa uma grave tensão que não é Pré-Copa ou Pré-Eleição, é Pós-Esgotamento de um modelo social e econômico que ficou velho após 20 anos, com democracia, necessária, mas imperfeita; com o eficiente, mas insuficiente Plano Real; com a generosa, mas não emancipadora Bolsa Família. 

O necessário rigor contra o vandalismo exige a aplicação das leis vigentes. 
A incompetência para impedir os crimes de vândalos não deve ser camuflada, assustando os manifestantes pacíficos. 
Com exceção dos homens-bomba, os terroristas não vão para as ruas em manifestações, agem à surdina, cometem seus atos clandestinamente. 

Parece que a intenção dessas propostas não é controlar o terrorismo é, por um lado, esconder a incompetência para impedir e punir os vândalos e, por outro, aterrorizar os que têm a intenção de ir às manifestações, uma espécie de terror antiterrorista. 

(*) Engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e senador da república pelo PDT. 

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