sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

São Paulo - 460 anos

A terra onde todos convivem 

Claudio Lembo (*) 

Quando alguém se debruça sobre a história de São Paulo sente uma profunda perplexidade. Os episódios de grandeza e os ciclos de miséria se sucederam através dos séculos. 

Foi fruto direto dos índios que ocupavam o planalto paulista. 
Estes conheciam e conviviam com João Ramalho, o português que habitava Santo André da Borda do Campo. 

Os jesuítas chegaram mais tarde. 
Edificaram a pequena escola. 
O lugar, no alto da colina acima do Rio Tamanduateí, passou a ser chamado Pátio do Colégio. 

Não conhecia o planalto as doenças tropicais. 
Seu clima era salubre. 
A distância do mar o tornava isento dos contatos com o mundo europeu. 

O paulista foi gerado na solidão. 
O povoado era rude e rude seus habitantes. 
Desde os primórdios, lançaram-se a combater os castelhanos em nome dos reis de Portugal. 

A pé ou pelos rios alcançaram os extremos da América Setentrional. 
Foram ao Paraguai e a Argentina e, na busca de índios para escravizar, lutaram asperamente com os padres da Companhia de Jesus.
Não deram sossego aos jesuítas, aqui e nas mais distantes paragens. 

Lançaram-se, sem temor, no interior das florestas. 
Cruzaram rios caudalosos. 
Estenderam os espaços físicos do Brasil. 

Com a descoberta de ouro, em Minas Gerais, lançaram-se à exploração do minério. 
Foram mortos e humilhados. 
Recuaram. Inicia-se, a partir do ciclo do ouro, período dramático. 

Perde São Paulo sua condição de relevo.
É lançada ao ostracismo. 
Passaram-se os anos. 
A pobreza altiva permanecia imutável. 

A primeira reação, após a Independência do Brasil, dá-se com a criação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. 
Os trabalhos constituintes de 1823 apontam para os obstáculos à criação da primeira escola superior no Brasil independente. 

Regiões muito mais desenvolvidas pleiteavam o privilégio. 
São Paulo – juntamente com Olinda – foi agraciada com a Academia de Direito. 

Alteram-se os costumes. 
Inicia-se uma nova etapa na vida da cidade. 
Permanece provinciana e isolada, mas já recebe o impulso dos jovens originários dos mais distantes pontos do País. 

Alteram-se vagarosamente os traços urbanos. 
A grande mudança ocorre com a chegada da imigração européia. 
Os italianos, particularmente, trouxeram novos costumes e formas de pensar. 

Foram encaminhados para as distantes terras do sertão. 
Vieram para substituir os libertos de 1888. 
Aos poucos, foram chegando à cidade de São Paulo. 

Começaram surgir as grandes tecelagens e as pequenas fundições. 
Uma ebulição social incessante começou a surgir. 
Os senhores das terras se assustaram. 

A perseguição ao estrangeiro ocorreu. 
As grandes greves, geradas nos aparelhos anarquistas, explodiram. 
Nunca mais São Paulo deixou de gerar novidades sociais e políticas. 

Abriu seus espaços para a imigração interna e a todos os povos. 
Tornou-se a mais cosmopolita das cidades da América Latina. 
A ninguém é perguntada a sua origem ou sua ascendência. 

Os nomes de família não importam em São Paulo. 
Vale a vontade de trabalhar e produzir. 
Esta forma de agir e de pensar dos paulistanos contemporâneos levou à perda do estudo de sua História. 

Nada importa em São Paulo. 
Suas tradições se apagaram. 
Todos os dias se gera o novo em São Paulo. 

Uma gente indômita, crítica e, apesar da constante evolução, possui traços conservadores. São Paulo, em seus quatrocentos e sessenta anos, por vezes, mostra-se provinciana.
Uma cidade aberta a todas as vocações.

(*) Advogado, professor e ex-governador de São Paulo

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