sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

PT pós-Lula

Merval Pereira (*)

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem dito a amigos que está na hora de revermos uma antiga certeza na hora de analisarmos nosso sistema político, a de que o país não tem partidos organizados, e por isso as negociações são feitas pontualmente, de acordo com interesses fisiológicos ou de grupos.

Segundo ele, o país já tem um partido organizado organicamente, e este partido é o PT. Essa constatação de Fernando Henrique fica mais confirmada ainda quando se lê que os oito governadores do PSDB, seu partido, decidiram que não farão oposição ao governo Dilma, atrás das verbas que o governo federal pode distribuir aos estados.

Um dos feitos do PSDB na recente eleição, em que foi derrotado pela terceira vez consecutiva para a presidência da República, foi justamente ter sido o partido que mais governadores elegeu, especialmente mantendo o comando dos dois maiores colégios eleitorais do país, São Paulo e Minas Gerais, o que demonstraria sua força política.
Ora, se esses oito governadores abrem mão de fazer oposição, numa estratégia orquestrada pela direção nacional do partido, o que esperar?

Essa estratégia de neutralidade, aliás, já foi tentada durante os oito anos do governo Lula, e deu no que deu.
Os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, passaram seus mandatos tendo uma atuação generosa com o governo central, num cálculo de aproveitar um bom relacionamento para obter favores federais que beneficiassem suas gestões estaduais.

Desse ponto de vista deu certo, os dois fizeram governos muito bem avaliados. Mas não se identificaram junto ao eleitorado como políticos de oposição.
Ambos apareciam ao lado de Lula como se fossem seus correligionários, e Serra tentou até mesmo confundir o eleitorado mostrando-se com de Lula no programa de propaganda eleitoral da televisão, querendo passar a idéia de que Lula não se incomodaria com sua vitória.

Ambos, em momentos distintos da disputa eleitoral, sentiram a mão pesada de Lula e do PT.
O ex-governador de Minas sentiu também a objetividade do PT como partido, ao ver vetado a nível nacional o acordo regional que fizera com o então prefeito Fernando Pimentel.

Nem Lula nem o PT, quando foi preciso, fingiram neutralidade ou tentaram aparentar generosidade com os adversários políticos.
É disso que trata Fernando Henrique quando diz que o único partido organizado que temos no país é o PT.

O comando de Lula sobre o partido sempre foi exercido com mão de ferro, com o auxílio direto de José Dirceu, e foi devido a essa liderança incontrastável que o partido permaneceu unido durante as três derrotas consecutivas, mantendo-o como candidato mesmo quando parecia que não tinha mais chance de vencer.
E o partido manteve-se na oposição, mesmo quando a unanimidade do país apoiava o Plano Real.

Quem se colocou no seu caminho foi mantido à parte, como os senadores Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque, que ousaram questionar se ainda valia a pena manter Lula como o candidato do partido à presidência da República depois de três derrotas.
No governo, à medida que sua popularidade foi aumentando, Lula se impôs ao partido de maneira tal que os poucos dissidentes acabaram sendo forçados a abandoná-lo, e formaram o PSOL.

No seu segundo mandato, a influência de Lula sobre o PT foi tamanha que ele conseguiu a unidade em torno de Dilma Rousseff à sua sucessão, uma candidata improvável e sem tradição partidária.
Mais uma vez mostrou que estava certo ao impedir que setores do partido apresentassem candidatos em estados em que o PMDB tinha interesses divergentes, tudo para garantir o apoio do maior partido à sua candidata.

Ao mesmo tempo em que sufocava politicamente as diversas facções partidárias, Lula dava a elas pedaços do poder e proteção política.
O partido superou a crise do mensalão sem se desintegrar e continua sendo o preferido do eleitorado brasileiro.

Seu teste de fogo será a saída de Lula do poder, e uma amostra do que pode acontecer estamos vendo agora, na disputa para a presidência da Câmara e na montagem do primeiro ministério de Dilma Rousseff.
As diversas facções em que se divide o partido estão em disputa como sempre estiveram, só que agora não têm uma liderança que organize essa disputa e a subordine aos interesses maiores do partido.

A tendência Construindo um Novo Brasil, que é majoritária no partido, estava dividida entre Cândido Vacarezza e Marco Maia, o que indicava que o candidato oficial poderia ser derrotado na disputa.
O ex-deputado federal e candidato ao Senado pelo PSOL, Milton Temer, acha que é “excelente para a democracia brasileira que o PT saia do sufoco que lhe foi imposto pelo pragmatismo lulista, e retome a energia interna que marcou suas duas primeiras décadas de existência como o principal partido brasileiro, nascido das bases sociais”.

Para Temer, o partido encontrava sua energia exatamente na disputa de caminhos políticos distintos que suas diversas tendências, e lideranças independentes, disputavam em cada reunião das instâncias.
Ele se recorda da disputa com José Dirceu pela presidência do partido, no Congresso do Glória, em 1997. Na ocasião, representando o campo de esquerda, ele obteve votos de 47% dos delegados, enquanto Dirceu obteve a vitória com apenas 49%, “tendo ao seu lado, na boca de urna, nada menos que Lula e o então presidente da CUT, João Felício”.

Para Temer, mesmo com esse resultado apertado, a unidade partidária só não foi conseguida pela “falta de generosidade e fraternidade do campo majoritário que, já no ano seguinte, promovia a arbitrária intervenção no diretório do Rio de Janeiro, por conta de vitória legítima que Vladimir Palmeira obtivera nas prévias que indicariam o candidato próprio ao governo do Estado”.
Essa “falta de generosidade e fraternidade” era a marca da liderança de mão de ferro de Lula e Dirceu, que hoje já não existe.

Lula tem dito que pretende continuar atuando dentro do partido, mas é difícil que encontre tempo para isso.
Temer acha que o PT pode ter agora “sua última oportunidade de ressuscitar a identidade que a sigla tinha até chegar aos tapetes do Planalto”, abandonando a lógica de ocupação de cargos no aparelho do Estado para voltar à discussão programática.

Ou então o partido pode se transformar num outro PMDB

(*) Jornalista

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