Roberto Macedo (*) para O Estado de S.Paulo
O abusivo aumento de 61,83%(!) da parcela que os congressistas se dão como "salário", ampliada para R$ 26.723,13, veio em 15/12/2010. Deixei o assunto para este início de legislatura, esperando contribuir para que não caia em esquecimento, como querem os que mais uma vez legislaram em causa própria e à custa alheia. E que custos!
A ação lembrou um assalto, premeditada para o apagar da sessão legislativa e coincidente com o fim de ano, época de recesso universal. Isso minimizou ainda mais a reação de um povo traído por maus representantes que no Congresso Nacional, templo de cultivo da fé na democracia e na República, nessa e noutras causas ficam do lado dos que abusam e debocham dos que mantêm a crença. Buscou-se, também, reduzir a reação da imprensa.
A ação veio como numa noite em local mal iluminado e carente de vigilância. Rapidíssima, coisa de minutos, e tomada por encapuzados, pela ausência de votação nominal. Ao comando da capital, foi logo seguida por arrastões nas Assembleias estaduais e Câmaras Municipais, com o mesmo objetivo. Assim, em poucos dias o cidadão comum foi vítima três vezes de uma (des)apropriação de dinheiro sem seu consentimento. Este alguém acha que houve? Que tal um plebiscito?
Onde a ação foi percebida, poucos e abafados gritos. Com nitidez só ouvi os do miniminoritário PSOL, que também protocolou ação contestadora na 5.ª Vara Federal de Brasília.
Suspeitos foram entrevistados, inclusive um novo ocupante do Congresso, de alcunha Tiririca. Viu na ação uma bênção, mas está superada sua pregação usual de que pior do que estava não ficaria. No Congresso já ficou. Quanto aos demais, ressalvadas poucas exceções, empenharam-se em dar à ação um sentido de justiça, mas lembrando justiceiros.
Passemos ao injustificável. Nossa Constituição diz que, nos cargos, funções e empregos da administração pública não organizada sob a forma de empresas, os ganhos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem ser os mais elevados. Ou seja, há esse teto. Mas a destemida ação viu no teto um piso, indicando que no Congresso o regime é um de pernas para o ar. Para confundir as coisas, houve porcentuais ainda maiores para os até então de fato irrisórios salários do presidente da República e de seus ministros, trazendo sua remuneração para o mesmo valor citado, que também chegou ao vice-presidente.
Ora, o trabalho dos parlamentares não tem as mesmas responsabilidades e os mesmos requisitos de qualificação e de carreira dos ministros do STF, nem o mesmo regime de dedicação exclusiva, que também alcança o presidente da República e seus ministros. Parlamentares costumam manter outras ocupações, num espectro que varia de trabalhadores sindicalistas a empresários empregadores, passando por agropecuaristas, profissionais liberais e outras, e não há nem acompanhamento nem fiscalização do tempo que gastam e do que ganham nessas atividades, direta ou indiretamente. Aliás, pesquisa recente do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostrou que empresários representam 47,9% dos deputados federais e 33,3% dos senadores da nova legislatura.
Em geral os parlamentares ficam três dias por semana em Brasília e não sei de um rígido controle de ausências e de seus descontos. E há recessos e folgas de montão, inclusive para cuidar de reeleições. Ademais, salários autênticos não são determinados pelos próprios assalariados. Também por não corresponder a uma clara contraprestação por trabalho prestado, sujeito ao comando de um empregador, esse nome não cabe a rendimentos de parlamentares, daí as aspas colocadas. Honorário tampouco serve. Sugiro excelenciário, pois no Congresso todos são excelências, e nem mesmo os petistas se tratam como companheiros, trabalhadores ou assalariados. E há as demais verbas auto-outorgadas pelos congressistas, de maiores valores (até R$ 98,3 mil mensais para deputados federais e R$ 119,8 mil para senadores), e distorções. Em larga medida custeiam mordomias e equivalem ao financiamento público de campanhas permanentes, ao qual não têm acesso candidatos sem mandato. Para esse adicional proponho excrescêncio.
O que fazer? Na imprensa tradicional, o assunto sumiu neste início de ano. Uma razão é ela ser muito voltada para novidades, relativamente às notícias passadas. A opinião não é só minha. A jornalista Arianna Huffington, cofundadora e chefe de redação do jornal digital Huffington Post, e referência nesse tipo de jornal, disse à Folha de S.Paulo (23/12/2010): "A mídia tradicional introduz uma notícia e depois a abandona." Adicionou que para gerar impacto na web o jornalismo digital precisa "manter os assuntos vivos de forma obsessiva". De fato, o digital também oferece notícias estocadas, permitindo que recebam novos aportes, o tal "follow-up", e facilita a interação com leitores. Portanto, que esses e outros assuntos gravíssimos, mas moribundos no noticiário, recebam essa atenção da mídia digital, com a contribuição das redes sociais, e sem prejuízo do enorme e indispensável papel da tradicional.
Também usando a web se pode inundar com e-mails de protesto os gabinetes parlamentares. As conexões são: www2.camara.gov.br/participe/fale-com-o-deputado e www.senado.gov.br/noticias/opiniaopublica/fale_senado.asp. Cuidado com a primeira, pois se abre com a opção de elogiar, a inicial, já marcada com uma bolinha. A de protestar é a última.
De "seu lado", em geral a "oposição" ficou calada. Quanto ao PSOL, merece cumprimentos, mas espera-se que seja coerente e que seus parlamentares devolvam mensalmente o que veem como excedente, num procedimento a que os demais inconformados deveriam aderir. Ficando hoje apenas no excelenciário, e contando os referidos três dias por semana, um valor de 3/5 (R$ 16.033,88) do teto estaria de bom tamanho para não gazeteiros.
(*) Economista (UFMG,USP e Harvard) Professor Associado À FAAP e Vice-Presidente da Associação Comercial de São Paulo
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