sábado, 12 de fevereiro de 2011

De um avô para seu primeiro neto!

Pequena crônica de um novo tempo -
Gentil Gimenez (*)

Esqueça como era, veio a ordem pelas sinápses que não controlo.
O apartamento é aquele, mas não é.
Os móveis são outros ou, para dizer o mínimo, foram mudados de lugar.
Aquele quadro não estava na parede que, por sinal, era amarela.
Antes o botão do elevador levava-me para o segundo, hoje o andar está acima. Lembro-me de uma varanda, onde eu podia apreciar um trecho da rua, nas tardes frescas ou nas noites quentes. E ficava imaginando o destino daquele senhor que dobrava a esquina a passeio com o cachorro.

Hoje vejo, daqui da varanda com mais horizonte, como é a esquina depois da curva.
E aprecio o senhor com o cachorro, mesmo depois da dobra da esquina. A esperá-lo, uma criança ainda não preparada para o passeio com o cachorro, segurando as mãos de uma senhora. E fazem uma festa, o senhor, a criança, a senhora e o cachorro.
A dobra da esquina não é mais um mistério. E entro para dentro do apartamento. Mas não é igual. O dentro não é igual e o fora também. Estou tateando nesse novo lugar, como quem anda em silêncio, com as pontas dos pés, para não acordar alguém. Como quem chegou tarde da noite, sorrateiro. Mas o relógio, em algum canto do apartamento, avisa que uma nova hora está começando. Uma hora nova e uma era nova. E o relógio não se preocupou com o silêncio do apartamento e cumpriu seu dever como um bom e fiel guardião do tempo. Despertou-me por alguns segundos, enquanto badalava sobranceiro e indiferente. 
Mas continuei tateando, por precaução, exagerada talvez, por desconhecer ainda a nova conformação do apartamento, a nova arquitetura do prédio, o novo andar, o novo morador, o porteiro que começou ontem, a visão mais ampla da varanda, os novos quartos, o senhor com o cachorro, a senhora com a criança, os novos botões do elevador que deveriam ser apertados. E como é bom apertar botão de elevador, pensei. Apertar e sair correndo.

Já fiz isso! Já fiz?

Não lembro. Mas se não fiz, outro fará em meu lugar. Era um aprendizado aquela nova era anunciada pelo relógio em forma de oito, o oito do infinito. Se assim podia ser entendido, era um aprendizado o que eu fazia. E podia assim ser entendido, como um aprendizado, sem dúvida. Eu, um aprendiz. E por que não? Somos todos aprendizes, mesmo sendo sábios. O sábio virou sábio aprendendo, filosofei. E continuei em silêncio, e assim estava também o relógio, após sua algazarra atrevida de lembrar-me sobre a nova era. Passei pela sala, pela cozinha, pelo corredor, pelos quartos. Não entrei nos banheiros. Talvez até devesse, por necessidade. Como era diferente. Aquilo não era ali, ali não tinha aquilo. Mas é bonito, pensei.

É aconchegante. Há perfumes que não havia antes.
Aliás, nunca havia sentido esses perfumes.

Abro um dos quartos e vejo uma mulher. Ela é familiar. É muito bonita. Ela dorme.
O perfume também vem dali. Parece que emanado de uma auréola que, como protegendo, paira sobre essa mulher. Ela, embora dormindo, tem o sorriso de quem melhorou o mundo. Dorme, na placidez do dever cumprido.
Entro em outro quarto, esse novo, para minha visão. Não havia esse quarto, não havia esses móveis. E essa luz então? Ela é muito forte! E o perfume aumenta, inunda, sem perturbar. Ao revés, inebria. Há uma luz, muito forte e difusa no canto. Ali é a nascente do rio perfumado. Ouso, tateando ainda, aproximar-me. Parece uma criança, um bebe ainda, nascido há pouco. Na verdade, é o que parece. Não há dúvida. Uma tenra criança, um bebe de poucas horas nesse novo mundo.

Vejo a nascente do perfume, aquele que amolece os sentidos e ativa uma emoção dif ícil de expressar. Parece que o rio da vida nasce ali. Por onde serão seus leitos? Quem serão seus afluentes? Isso não importa, pelo menos agora.
Aprisiona meu olhar e minha atenção, nesse momento, a nascente do rio de perfumes. Penso comigo mesmo. Consigo refletir.

E concluo: "Nada será como antes !!!"

(em homenagem ao Frederico, vindo ao mundo exterior em 10 de fevereiro de 2011, às 12:13, no Hospital São Luiz - SP/SP, com 3.270 Kg. e 48 cm. - |Gentil Gimenez - avô

(*) Advogado, aposentado e agora avô pela primeira vez

Um comentário:

  1. E o avô deixou aflorar toda a poesia de sua alma. Valeu, Gentil.
    Abraço
    Suely

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