Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Existem algumas coisas na vida moderna das quais não há como se livrar ou pelo menos é muito difícil de ficar a salvo. Até bem pouco tempo, uma delas era a famosa “A voz do Brasil” que invadia a tudo e a todos exatamente as 19:00 horas. O único jeito de se livrar dela era dando um descanso ao aparelho de rádio. Difícil era quando se estava preso no trânsito e se ficava entre a chatice de ficar parado e a outra chatice, a de ouvir o programinha. Por um bom tempo andamos quase totalmente livres dele, mas, ao que parece, há suspeitas de que nossos rádios voltem a ganhar o descanso diário. Segundo consta, quem estava livre de transmitir o programinha deverá voltar a se submeter à obrigação. Se isso acontecer, o programa fará uma dupla de respeito com o horário reservado à propaganda política obrigatória. Serão dois momentos de silêncio radiofônico. E há muitas outras que se grudam ao nosso dia a dia e não há quem consiga fazer com que nos deixem em paz.
Para quem gosta de navegar na “internet”, mandar e receber “e-mails”, uma das dificuldades próprias dessa tecnologia são as mensagens que se recebe dos amigos, parentes e afins. Há quem adore receber aqueles textos longos, cheios de imagens e sons que conseguem se apoderar de boa parte da capacidade de armazenagem dos indefesos computadores domésticos. E há quem adore ainda mais enviar essas mensagens. Vem de tudo: piadas de bom ou mau gosto, mensagens de otimismo, muitas delas ligadas à febre do momento, a auto-ajuda, textos de qualidade duvidosa atribuídos a grandes nomes da literatura e do jornalismo, denuncias antigas e ultrapassadas, relatos sigilosos muito próprios da teoria da conspiração, enfim, o que se puder imaginar. Que ninguém reclame de tédio em matéria de variedade desses longos e encorpados arquivos que, às vezes, transformam o computador numa carroça puxada a jabutis.
Mas, como diziam os antigos, do couro é que sai a correia. Embora uma boa parte desse material não compense o trabalho de abrir os arquivos, às vezes chegam coisas surpreendentes. Foi o caso de um que bateu no meu combalido computador ainda recentemente. Tratava-se de um filme suposta ou alegadamente capturado pelos cinegrafistas da revista “National Geographic”. Nele há a imagem de uma pantera em plena caça. O animal enxerga um desavisado babuíno que, em rigoroso respeito às leis naturais, vai se transformar em vítima do predador numa fração de segundos. Não deixa de ser um tanto brutal, mas resta o consolo que assim a natureza determinou quando inventou a cadeia alimentar. A pantera rapidamente abate o babuíno e começa a arrastá-lo para um local menos aberto onde possa devorar com tranqüilidade. Mas, ao começar a arrastar a presa, a pantera percebe que algo está se movendo dentro da sua refeição. E, então, é explicado que se tratava de um babuíno fêmea e que o animal estava prenhe quando foi abatido. O que estava se mexendo durante o trajeto feito pela pantera era simplesmente o filhote da boina. Não é preciso ter muita imaginação para se perceber que o que se segue é uma cena tocante: a pantera, em lugar de devorar mãe e filhote, praticamente abandona a caça para se dedicar exclusivamente a proteger e cuidar do filhote. Enfim, é um verdadeiro canto de louvor à natureza e sua grandeza, um hino em homenagem ao sentimento de maternidade manifestado pela pantera em relação ao frágil filhote que teve sua mãe predada por conta de uma lei na própria natureza. Em palavras simples, é a natureza em toda sua pujança falando mais alto, mostrando sua dimensão superior e enternecendo as lentes do coração dos cinegrafistas e de todos quanto fazem o filme circular em larga escala e sempre precedido de palavras de entusiasmo e admiração.
Eu não reclamei de ter recebido a mensagem, apesar de seu tamanho. Ao contrário, procurei enviá-la a mais pessoas já que é realmente algo de emocionar. Mas, não consegui resolver uma dúvida que me ocorreu depois de me sentir tocado pelo filme: porque será que nós nos entusiasmamos tanto com essas manifestações da natureza se, ao mesmo tempo, não temos tido um mínimo de sensibilidade para com essa mesma natureza que nos cerca? Porque será que ficamos tão extasiados com as coisas da natureza como se ela fosse alguma coisa que existe em outra dimensão e que não fôssemos parte dela?
Eu até consigo entender a atitude da pantera. Já a dos meus colegas de categoria biológica...
(*) Advogado , morador em S. Bernardo do Campo (SPO).
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com
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