Opinião do Estadão
A partir de hoje, o Brasil tem uma nova presidente. E o que desde logo se pode esperar é que haja uma mudança radical, para melhor, do estilo de governar. É claro que o que será feito importa mais do que o como se fez. Mas em política essa relação entre forma e conteúdo, estilo e ação tem lá suas sutilezas. É muito comum, aliás, que se dissociem. Oito anos de governo Lula o demonstram. Luiz Inácio Lula da Silva ajudou a mudar o País para melhor em muitos aspectos, mas tudo o que fez e, principalmente, o que deixou de fazer levam a marca profunda de seu estilo populista de governar, de sua preocupação obsessiva de ser reconhecido como um líder de raízes populares fiel a suas origens e, por isso, idolatrado por seu povo. Sob esse aspecto Dilma Rousseff difere em tudo do homem que a conduziu à Presidência. Das origens ao tipo de militância que os introduziu na vida pública. Do temperamento à conseqüente maneira de se relacionar com o mundo. De modo que após a overdose de um Lula boquirroto, megalômano e narcisista, é de esperar que o País possa conviver agora com uma chefe de Estado e de governo que se comporte de acordo com a compostura que a liturgia da Presidência exige. Tudo indica que assim será. O que já é um bom começo.
Agora que passa a ser a primeira mandatária de todos os brasileiros, é justo que todos, a despeito de divergências que provavelmente se manterão, se disponham a conceder-lhe um crédito inicial de confiança. Cada um no seu papel - o que implica, para a imprensa, manter diante do poder público a postura de permanente fiscalização e cobrança -, devemos agora encarar o futuro como um recomeço. É assim que funciona a democracia.
A mudança de estilo pode significar pouco em termos da consolidação dos avanços duramente conquistados nas últimas décadas e das profundas transformações de que o Brasil ainda necessita em benefício de todos. Mas, vale repetir, já será um bom começo. Essa previsível e desejável mudança pode significar, por exemplo, o fim da tentativa de manter o País dividido entre "nós" e "eles", entre os bons e os maus; da capciosa ladainha de que só os "predestinados" e "iguais" são capazes de compreender e lutar pelos interesses dos fracos e oprimidos. Governar é obra coletiva que tanto melhor se realiza quanto mais se persegue a unidade dentro da diversidade.
Até porque, ao que tudo indica, estando disposta, com os pés no chão, a se preocupar mais com o enorme desafio real que tem pela frente do que em lapidar a própria imagem, Dilma Rousseff certamente estará atenta às armadilhas que as circunstâncias de sua eleição criaram, com as quais terá que se haver desde logo. A mais delicada delas - de resto, óbvia - será seu relacionamento com Lula. Na primeira prova a que foi submetida Dilma superou as dificuldades com discrição e espírito conciliatório: a formação do Ministério, na qual a influência de Lula é notória e não se poderia esperar outra coisa. Sem alarde, a nova presidente deixou claro que essa é a equipe de governo que foi possível formar, dadas as condições de temperatura e pressão. Mas, de agora em diante, o presidente será ela. E isso de alguma maneira afetará a qualidade de seu relacionamento com o antecessor-preceptor, principalmente considerando que estará lidando com uma figura, para dizer o mínimo, ubíqua.
Ninguém se iluda com as últimas manifestações de Lula em favor da candidatura à reeleição de Dilma em 2014. Não há a menor hipótese de que um político extasiado com o próprio êxito, sempre "na sua", abandone a droga do poder.
Quer dizer, se nos quatro anos de Dilma a economia brasileira não continuar mantendo o desempenho que faz as delícias de empresários, trabalhadores com carteira assinada, classe média, emergentes recém-habilitados ao consumo - o que, considerando as perspectivas adversas da conjuntura econômica internacional, talvez acabe se tornando inevitável -, ninguém se desespere: o salvador da Pátria estará pronto para o sacrifício. Ou alguém duvida de que Lula passará os próximos anos cultivando seus vertiginosos índices de popularidade?
Boa sorte a Dilma Rousseff, agora presidente de todos os brasileiros. Ela vai precisar.
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