sexta-feira, 31 de maio de 2013

Quebrando paradigmas: a transição de quatro para 40 marcas de carro

Joel Leite (*) do Blog O Mundo em Movimento  

O Brasil vive um momento de transição: a passagem de um país de quatro marcas de carros para um país de 40 marcas. 

Como bem registrou o colega Fernando Calmon , pela primeira vez na história as quatro montadoras tradicionais (Fiat, Volkswagen, GM e Ford) não conseguiram obter, juntas, 70% das vendas de carros novos no Brasil (dados do primeiro quadrimestre deste ano). É um caminho sem volta. 

Hoje, marcas novas começam a operar no segmento mais importante do mercado, de carros pequenos, abrindo espaço para o aumento do volume de vendas e consequentemente dos índices de participação. 

Observe que as três marcas melhor posicionadas no ranking após as quatro grandes são exatamente as que oferecem, em seus catálogos de produtos, carros na faixa de R$ 30 mil: Hyundai (quinta colocada), Renault (sexta) e Toyota (sétima). 


A primeira a entrar no segmento, a Renault, permaneceu por vários anos na liderança entre as montadoras novas, justamente graças ao seu carro popular (Clio), perdendo a posição este ano para a Hyundai depois que a empresa coreana entrou no segmento dos pequenos com o HB20, feito em Piracicaba. A Toyota avançou no ranking após a chegada do Etios, fabricado em Sorocaba e lançado no final do ano passado. 

Esse quadro é um indicativo de que mudanças mais profundas devem ocorrer nos próximos anos, quando outras marcas passarão a fabricar (além de vender) no Brasil carros na faixa de entrada, como as chinesas JAC e Chery. 

O crescimento do mercado brasileiro veio acompanhado do aumento das exigências desse novo consumidor, que, entre outras coisas, deixou de ser fiel a uma marca, como acontecia há 20 anos. Cada uma das quatro marcas tradicionais tinha características que eram exaltadas pelos seus clientes. Você lembra? 

Volkswagen era o carro de fácil manutenção, “qualquer oficina conserta”; Fiat era o carro inteligente: pequeno por fora, grande por dentro; Ford era a marca que oferecia o melhor acabamento; GM faz carro valente, que dura a vida inteira. 

Hoje, o consumidor brasileiro é o mais infiel do mundo. Pesquisa feita pela Motorpress indica que apenas 9% dos brasileiros optariam, na compra seguinte, pela mesma marca que têm hoje. Só na China é encontrada infidelidade semelhante. 

PELADO, NUNCA MAIS  
O consumidor brasileiro também questiona a compra de equipamentos básicos como “opcionais”. Dá para aceitar que ainda existam carros no mercado sem vidros elétricos, direção hidráulica, desembaçador de vidro traseiro? Pois no Brasil há muitos. 

Clio, Uno, Palio, Gol, Fiesta, Ka, Sandero não trazem de série, em suas versões de entrada, itens básicos como vidros elétricos e direção hidráulica. Alguns, como o Gol e o Uno, não vêm nem mesmo com desembaçador do vidro traseiro. Mesmo o Sandero, um carro de segmento superior, não oferece o desembaçador. Além de não ter nada disso, o Celta não traz nem temporizador do limpador de para-brisas. 

O que esperar de uma indústria que, até há bem pouco tempo, oferecia o retrovisor do lado direito — pasmem! — como opcional? O equipamento só passou a ser de série há poucos anos, e por imposição da legislação. Não fosse assim, provavelmente estaríamos pagando esse retrovisor como “opcional” até hoje. 

Imagine a cena na concessionária: 
Vendedor: “Senhor, quero lhe oferecer um equipamento que vai deixar o seu carro uma beleza, com um visual mais equilibrado e mais seguro. É o espelho retrovisor do lado direito. Por um pouquinho a mais o senhor sai daqui com um carro mais moderno!” 

Não é por acaso que os chineses foram tão bem recebidos no Brasil. Eles chegaram oferecendo equipamentos que até então o consumidor brasileiro tinha de pagar “por fora”.

O impacto positivo de oferecer carros minimamente equipados foi tão grande que, mesmo com todo o preconceito em relação aos carros chineses e a natural rejeição ao novo, JAC e Chery avançaram no mercado e só não conquistaram mais espaço porque foram barradas pela imposição do braço forte do governo, que, a pedido das montadoras instaladas no país, decretou os 30 pontos percentuais a mais de IPI, interrompendo o seu crescimento. 

As montadoras instaladas aqui tiveram de ir atrás. 

Exemplo: embora ainda esteja em apenas seis de cada dez carros fabricados no Brasil, a presença da direção hidráulica nos carros vendidos teve aumento considerável nos últimos anos, passando de 39% em 2000 para 62% em 2012. 

(*) Jornalista e pós graduado em Semiótica e Meio Ambiente.

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