quinta-feira, 9 de maio de 2013

Arroz Papa

Renato Gomes Nery (*) 

A letra da música Seresteiro da Lua, de Pedro Bento e Zé da Estrada, na sua pureza traz uma grande lição: o mundo é uma grande escola para ensinar quem não sabe viver. E o nosso maior poeta lembra que ele nasceu gauche e que um anjo que vive na sombra lhe mandou pela vida afora. E assim prosseguimos nossa caminhada batendo cabeça para lá e para cá. Não diria que a vida é uma errata. Quem foi que disse esta frase, eu não me lembro. Uma errata ou não, temos que prosseguir. 

E vamos para a estrada numa ingente tentativa de acertar sempre e de prosseguir. Somos normalmente autoritários. Sabemos de tudo. De qualquer forma vamos descobrir alguma coisa muito tempo depois, quando temos que acertar o passo e curar penosamente as feridas da caminhada. 

A vida pode ser, portanto, definida como uma eterna tentativa. Um gol de placa. Um 0x0 ou 01x01. E quem sabe até um 3x0. Vai-se lá saber como o jogo vai terminar. Esta evidência não nos pertence. A qualquer momento o barco pode nos abandonar, por razões que desconhecemos. 

Quando me separei fiquei perdido no tempo e no espaço, sem saber bem o que fazer da vida. Aliás, as separações normalmente são dolorosas. E a minha não foi diferente. Casar é fácil, a separação normalmente é uma dura via crucis. E para o homem é com certeza mais difícil. Se não tiver colhões roxos, faz besteiras. Ele fica sem a casa, sem a família e sem os filhos. Vagando como uma alma penada mundo afora. Tem de partir do nada e reconstruir uma nova vida afetiva. Passa a ser uma ameaça para a estabilidade dos casamentos. Os amigos casados normalmente se afastam. 

Sobram um imenso vazio e as relações com os filhos – nem sempre isenta da enorme influência materna. A minha relação com o meu filho foi curiosa, até porque ele tinha um problema de saúde. Ele ia para minha casa duas vezes por semana e para não lhe dar estas comidas industrializadas, tive que me aventurar pelas lides culinárias. A primeira coisa que inventei de fazer foi arroz, mas o meu arroz era papa. Descobri muito tempo depois que a receita de fazer arroz estava escrita no pacote de plástico que armazena o arroz. 

Mas de tanto comer “arroz papa”, meu filho passou a gostar desta curiosa iguaria. Ao descobrir que ele tinha se acostumado com o “arroz papa”, eu percebi que a separação era um fato consumado e que eu tinha superado mais uma fase da vida e me transformado, por força das circunstâncias, num curioso cozinheiro com alguma criatividade. E na verdade a vida pode ter a simplicidade e o simbolismo de um curioso “arroz papa” que representou um marco e um passo a frente da caminhada rumo ao futuro. 

(*) Advogado em Cuiabá. E-mail – rgnery@terra.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário