BBC Brasil
Ao longo de mais de quatro décadas de produção ininterrupta, o sociólogo José Pastore firmou-se como um dos maiores nomes das relações de trabalho, emprego e recursos humanos no Brasil.
Pastore lecionou na Faculdade de Economia da USP, foi chefe da assessoria técnica do Ministério do Trabalho e fez parte do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Atualmente é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e escreve como articulista para o jornal "O Estado de São Paulo".
Na entrevista a seguir, Pastore discorre sobre a baixa produtividade brasileira e possíveis soluções para o problema, um dos maiores gargalos da economia do país.
BBC Brasil - Qual é a relação entre produtividade e economia?
José Pastore - A relação entre produtividade e economia é direta e indireta.
O impacto direto acontece quando um trabalho mal feito por causa da baixa qualificação resulta em um produto de má qualidade, que, por sua vez, perde preço no mercado ou até mesmo seu próprio mercado. Já o efeito indireto ocorre quando, por exemplo, a produtividade cai e o salário cresce. Isso cria um dilema para a empresa. Ou ela passa esse diferencial para os preços ou tira do lucro. Nos dois casos, há prejuízo para a economia.
No primeiro caso, porque gera inflação e no segundo porque reduz as taxas de investimento.
BBC Brasil - Por que a produtividade do trabalhador brasileiro ainda é tão baixa?
José Pastore - Há vários fatores que interferem na produtividade dos trabalhadores, como tecnologia, gestão e ambiente de trabalho. Mas a qualificação do trabalhador é, sem dúvida, um dos mais importantes. Essa qualificação é sustentada pela educação.
A qualidade do ensino brasileiro ainda é muito precária quando comparada à dos países mais avançados. Aliado a problemas de tecnologia e gestão de empresas, o resultado final é um baixíssimo nível de produtividade e eficiência do nosso trabalhador, em média.
BBC Brasil - A baixa produtividade explica o mau desempenho da economia brasileira nos últimos meses?
José Pastore - A desaceleração é produto de uma série de distorções que temos na nossa economia. Temos um problema tributário muito sério, uma infraestrutura muito frágil, um sistema regulatório muito inseguro e um cipoal trabalhista que complica bastante a contratação do trabalho. Tudo isso interfere negativamente naquilo que é o resultado final de um ano de trabalho em uma economia. Mas a produtividade também pesa.
BBC Brasil - O incentivo à formação técnica seria um dos meios para aumentar a nossa produtividade?
José Pastore - Sim, mas não acredito que a solução esteja unicamente na formação técnica. A formação técnica só vai ter sucesso se a formação básica for de melhor qualidade. Não basta escola que venha adestrar porque não basta ser adestrado.
É preciso ser bem educado. Em última análise, o que nós precisamos na educação básica é de uma escola que seja capaz de ensinar às crianças não a passar no exame, mas a pensar. A criança que sabe pensar é um excelente aluno para a educação técnica.
Aquele que não sabe, vai dar muito trabalho.
BBC Brasil - O Pronatec é um dos maiores trunfos do atual governo. Qual é a sua avaliação sobre o programa?
José Pastore - É um excelente programa; está muito bem estruturado.
As metas são ousadas. Mas precisamos esperar um pouco mais para avaliar se a mecânica atual está gerando o resultado esperado.
BBC Brasil - A chave para melhorar a nossa produtividade seria, então, investir maciçamente na educação?
José Pastore - Eu diria que a chave é investir maciçamente em boa educação.
Tanto básica quanto secundária. É isso que faz a diferença. Hoje em dia, não se conta mais a eficiência econômica de um indivíduo pelo número de anos que ela passou na escola.
O que conta mesmo é o que ela aprendeu durante o período escolar.
Hoje, o mercado não busca o diploma, o currículo ou uma escola renomada, mas pessoas que saibam pensar adequadamente, que tenham bons textos e lógica de raciocínio, que sejam capazes de transformar informações em conhecimento prático, que saibam trabalhar em grupo, que conheçam bem a sua profissão. Tudo isso depende de uma educação básica e secundária de boa qualidade.
BBC Brasil - Mas as escolas não parecem adaptadas a essa realidade. Como reverter esse cenário?
José Pastore - Esse é o maior desafio do ensino moderno: acompanhar as mudanças tecnológicas e as mudanças no sistema produtivo. Mesmo os países avançados estão sendo desafiados em seus sistemas educacionais. Um estudo recente de dois pesquisadores ingleses mostrou que nos próximos oito a dez anos, quase 50% dos profissionais dos Estados Unidos perderão seus empregos por obsolescência, ou seja, serão atropelados por novas tecnologias. Essa questão é muito importante para nós porque o Brasil está no meio desse processo de transformação tecnológica. Do lado da escola, o que se busca hoje é um método de ensino diferente daquele convencional. Há que se buscar um método que seja realmente interessante à criança e ao adolescente, que utilize o mundo digital dos jovens.
BBC Brasil - Qual seria o papel do governo nesse processo?
José Pastore - O governo deveria valorizar mais a carreira do professor e do diretor de escola. Isso é fundamental. Sem um professor atualizado, que conheça a mente das crianças e dos adolescentes, que conheça as tecnologias educacionais que dão certo, não haverá solução de curto prazo. O Brasil tem um problema muito grave nessa área.
Apenas 2% daqueles que se formam no Ensino Médio optam pela carreira do magistério. Isso é um desastre. E quando se analisa quem são esses indivíduos, chegamos a uma conclusão ainda mais triste. São aqueles que tiveram as piores notas no Ensino Médio. Acredito que o governo - junto com a mídia, escolas e empresas - deveria fazer uma campanha muito sólida e de longa duração para valorizar o professor e o diretor.
É claro que, em paralelo, seria preciso também tomar medidas concretas de remuneração, de gratificação por mérito, de treinamentos, de atualização tecnológica e pedagógica. Trata-se de um programa tão importante quanto qualquer outro para acelerar o nosso PIB.
BBC Brasil - Mas a educação foi sucateada no Brasil durante anos. Ainda é possível correr atrás do tempo perdido?
José Pastore - Esse dilema não existe. Não existe alternativa senão correr atrás do tempo perdido. Até porque nossos concorrentes não vão ficar esperando o Brasil desenvolver para depois vender seus produtos e seus serviços. A História mostra que alguns países conseguiram fazer isso. Quando terminou a 2ª Guerra Mundial, a Coreia do Sul tinha 80% da população analfabeta. O país estipulou uma meta: em 30 anos, todos deveriam ter, no mínimo, dez anos de escolaridade. E como essa meta foi alcançada? O governo deu início a uma grande 'cruzada' na sociedade. Foi feita uma divisão do trabalho. Ficou para o governo pagar os professores e atualizá-los constantemente. E coube à iniciativa privada construir laboratórios e atualizá-los constantemente. Depois de 30 anos, todos tinham não só dez anos de escolaridade, mas 12. Hoje, a Coreia do Sul é um país desenvolvido.
BBC Brasil - A solução para a educação brasileira seria então uma parceria entre o setor público e a iniciativa privada?
José Pastore - Acho que é mais do que isso. É uma parceria entre todos os entes da sociedade brasileira. Todo mundo tem de participar dessa cruzada. Trata-se de uma cruzada de várias dimensões. É preciso haver uma mobilização das famílias em favor de educar aqueles que não são educados, não apenas seus filhos, mas sua empregada doméstica e o funcionário de sua empresa.
BBC Brasil - Mas essa proposta não é utópica demais?
José Pastore - Não. A sociedade brasileira responde bem quando é adequadamente mobilizada. No ano 2001, tivemos uma grave crise de energia elétrica. O governo liderou uma cruzada de mobilização de todas as famílias brasileiras e as pessoas mudaram o comportamento, fizeram uma economia decisiva para o sucesso do programa. E depois que foi suspenso o racionamento, o comportamento econômico continuou por muito tempo. Pena que essa cruzada foi interrompida. A sociedade brasileira responde bem quando é mobilizada. Tenho muita fé nisso.
José Pastore |
Pastore lecionou na Faculdade de Economia da USP, foi chefe da assessoria técnica do Ministério do Trabalho e fez parte do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Atualmente é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e escreve como articulista para o jornal "O Estado de São Paulo".
Na entrevista a seguir, Pastore discorre sobre a baixa produtividade brasileira e possíveis soluções para o problema, um dos maiores gargalos da economia do país.
BBC Brasil - Qual é a relação entre produtividade e economia?
José Pastore - A relação entre produtividade e economia é direta e indireta.
O impacto direto acontece quando um trabalho mal feito por causa da baixa qualificação resulta em um produto de má qualidade, que, por sua vez, perde preço no mercado ou até mesmo seu próprio mercado. Já o efeito indireto ocorre quando, por exemplo, a produtividade cai e o salário cresce. Isso cria um dilema para a empresa. Ou ela passa esse diferencial para os preços ou tira do lucro. Nos dois casos, há prejuízo para a economia.
No primeiro caso, porque gera inflação e no segundo porque reduz as taxas de investimento.
BBC Brasil - Por que a produtividade do trabalhador brasileiro ainda é tão baixa?
José Pastore - Há vários fatores que interferem na produtividade dos trabalhadores, como tecnologia, gestão e ambiente de trabalho. Mas a qualificação do trabalhador é, sem dúvida, um dos mais importantes. Essa qualificação é sustentada pela educação.
A qualidade do ensino brasileiro ainda é muito precária quando comparada à dos países mais avançados. Aliado a problemas de tecnologia e gestão de empresas, o resultado final é um baixíssimo nível de produtividade e eficiência do nosso trabalhador, em média.
BBC Brasil - A baixa produtividade explica o mau desempenho da economia brasileira nos últimos meses?
José Pastore - A desaceleração é produto de uma série de distorções que temos na nossa economia. Temos um problema tributário muito sério, uma infraestrutura muito frágil, um sistema regulatório muito inseguro e um cipoal trabalhista que complica bastante a contratação do trabalho. Tudo isso interfere negativamente naquilo que é o resultado final de um ano de trabalho em uma economia. Mas a produtividade também pesa.
BBC Brasil - O incentivo à formação técnica seria um dos meios para aumentar a nossa produtividade?
José Pastore - Sim, mas não acredito que a solução esteja unicamente na formação técnica. A formação técnica só vai ter sucesso se a formação básica for de melhor qualidade. Não basta escola que venha adestrar porque não basta ser adestrado.
É preciso ser bem educado. Em última análise, o que nós precisamos na educação básica é de uma escola que seja capaz de ensinar às crianças não a passar no exame, mas a pensar. A criança que sabe pensar é um excelente aluno para a educação técnica.
Aquele que não sabe, vai dar muito trabalho.
BBC Brasil - O Pronatec é um dos maiores trunfos do atual governo. Qual é a sua avaliação sobre o programa?
José Pastore - É um excelente programa; está muito bem estruturado.
As metas são ousadas. Mas precisamos esperar um pouco mais para avaliar se a mecânica atual está gerando o resultado esperado.
BBC Brasil - A chave para melhorar a nossa produtividade seria, então, investir maciçamente na educação?
José Pastore - Eu diria que a chave é investir maciçamente em boa educação.
Tanto básica quanto secundária. É isso que faz a diferença. Hoje em dia, não se conta mais a eficiência econômica de um indivíduo pelo número de anos que ela passou na escola.
O que conta mesmo é o que ela aprendeu durante o período escolar.
Hoje, o mercado não busca o diploma, o currículo ou uma escola renomada, mas pessoas que saibam pensar adequadamente, que tenham bons textos e lógica de raciocínio, que sejam capazes de transformar informações em conhecimento prático, que saibam trabalhar em grupo, que conheçam bem a sua profissão. Tudo isso depende de uma educação básica e secundária de boa qualidade.
BBC Brasil - Mas as escolas não parecem adaptadas a essa realidade. Como reverter esse cenário?
José Pastore - Esse é o maior desafio do ensino moderno: acompanhar as mudanças tecnológicas e as mudanças no sistema produtivo. Mesmo os países avançados estão sendo desafiados em seus sistemas educacionais. Um estudo recente de dois pesquisadores ingleses mostrou que nos próximos oito a dez anos, quase 50% dos profissionais dos Estados Unidos perderão seus empregos por obsolescência, ou seja, serão atropelados por novas tecnologias. Essa questão é muito importante para nós porque o Brasil está no meio desse processo de transformação tecnológica. Do lado da escola, o que se busca hoje é um método de ensino diferente daquele convencional. Há que se buscar um método que seja realmente interessante à criança e ao adolescente, que utilize o mundo digital dos jovens.
BBC Brasil - Qual seria o papel do governo nesse processo?
José Pastore - O governo deveria valorizar mais a carreira do professor e do diretor de escola. Isso é fundamental. Sem um professor atualizado, que conheça a mente das crianças e dos adolescentes, que conheça as tecnologias educacionais que dão certo, não haverá solução de curto prazo. O Brasil tem um problema muito grave nessa área.
Apenas 2% daqueles que se formam no Ensino Médio optam pela carreira do magistério. Isso é um desastre. E quando se analisa quem são esses indivíduos, chegamos a uma conclusão ainda mais triste. São aqueles que tiveram as piores notas no Ensino Médio. Acredito que o governo - junto com a mídia, escolas e empresas - deveria fazer uma campanha muito sólida e de longa duração para valorizar o professor e o diretor.
É claro que, em paralelo, seria preciso também tomar medidas concretas de remuneração, de gratificação por mérito, de treinamentos, de atualização tecnológica e pedagógica. Trata-se de um programa tão importante quanto qualquer outro para acelerar o nosso PIB.
BBC Brasil - Mas a educação foi sucateada no Brasil durante anos. Ainda é possível correr atrás do tempo perdido?
José Pastore - Esse dilema não existe. Não existe alternativa senão correr atrás do tempo perdido. Até porque nossos concorrentes não vão ficar esperando o Brasil desenvolver para depois vender seus produtos e seus serviços. A História mostra que alguns países conseguiram fazer isso. Quando terminou a 2ª Guerra Mundial, a Coreia do Sul tinha 80% da população analfabeta. O país estipulou uma meta: em 30 anos, todos deveriam ter, no mínimo, dez anos de escolaridade. E como essa meta foi alcançada? O governo deu início a uma grande 'cruzada' na sociedade. Foi feita uma divisão do trabalho. Ficou para o governo pagar os professores e atualizá-los constantemente. E coube à iniciativa privada construir laboratórios e atualizá-los constantemente. Depois de 30 anos, todos tinham não só dez anos de escolaridade, mas 12. Hoje, a Coreia do Sul é um país desenvolvido.
BBC Brasil - A solução para a educação brasileira seria então uma parceria entre o setor público e a iniciativa privada?
José Pastore - Acho que é mais do que isso. É uma parceria entre todos os entes da sociedade brasileira. Todo mundo tem de participar dessa cruzada. Trata-se de uma cruzada de várias dimensões. É preciso haver uma mobilização das famílias em favor de educar aqueles que não são educados, não apenas seus filhos, mas sua empregada doméstica e o funcionário de sua empresa.
BBC Brasil - Mas essa proposta não é utópica demais?
José Pastore - Não. A sociedade brasileira responde bem quando é adequadamente mobilizada. No ano 2001, tivemos uma grave crise de energia elétrica. O governo liderou uma cruzada de mobilização de todas as famílias brasileiras e as pessoas mudaram o comportamento, fizeram uma economia decisiva para o sucesso do programa. E depois que foi suspenso o racionamento, o comportamento econômico continuou por muito tempo. Pena que essa cruzada foi interrompida. A sociedade brasileira responde bem quando é mobilizada. Tenho muita fé nisso.
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