sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quem sabe ?

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Lá pelos idos dos meus vinte e poucos anos, quando ainda sonhava em me tornar um compositor, escrevi uma canção à qual dei o nome de “Autovisão”. Falava de mim mesmo, das minhas incertezas, dos meus medos, coisa que, com o tempo, ganhou o nome de “nhem, nhem, nhem”, daquela juventude ranheta que vivia questionando a si mesma e a tudo. Resquícios daqueles tempos de existencialismo pós-guerra dos anos cinqüenta. E na canção eu usava um verso que dizia: “o futuro chegou de repente e talvez fosse cedo”. No meu contexto pessoal aquilo não era nada além da constatação que a fase leve e suave da adolescência já havia ficado para trás, eu já havia atravessado pelo menos metade da chamada juventude e aí começava a me bater o medo. A música, cotada para ser o título do disco que acabei gravando, foi alijada do cenário por conta da censura que a proibiu em todo o território nacional (falava em liberdade, quebrar correntes e outras coisas inadmissíveis para os tempinhos cinzentos). O disco saiu e morreu sem que lhe tomassem conhecimento e o sonho de virar compositor, eu tive que acordar dele se quisesse manter o hábito burguês de comer ao menos duas vezes ao dia. E o futuro chegou. Cedo ou tarde, sem dar a menor atenção a mim e aos meus versos.

Há pouco tempo circulou pela “internet” uma mensagem curiosa se referindo a um dos filmes da trilogia “De volta para o futuro”. Apenas para recapitular, tudo começa com o rapazinho de 1985 sendo remetido por mero acidente ao ano de 1955. Trinta anos antes. Lá estavam seus pais adolescentes vivendo os anos dourados norte-americanos. Depois de uma porção de trapalhadas e situações e sempre com a preocupação de não alterar nada que pudesse interferir no futuro, o personagem faz exatamente o que todo mundo esperava: modifica umas tantas coisas que vão melhorar sua situação quando nascido e adolescente. Terminada a primeira aventura, o jovem retorna ao seu tempo para, logo em seguida, ter que se meter no futuro. E esse futuro é cheio de coisas mirabolantes. Os veículos são todos aéreos, voam sem problemas de trânsito. Tudo é fantástico, inclusive uma roupa que, encharcada pela queda do jovem num lago, seca sozinha e em segundos. Isso tudo acontece no longínquo ano de 2015, embora, por esperteza, tenham circulado a observação que o ano era 2010. A diferença é pequena. Pois é. A menos que a evolução ande mais depressa que a velocidade da luz, dificilmente teremos tudo aquilo dentro dos próximos curtos anos. Esse é o tempo, que caminha ao seu próprio bel prazer, no seu ritmo e andamento, sem nos dar a menor atenção.

O tempo não chega nem antes nem depois de coisa alguma, pois não conhece o sentido das palavras “cedo” ou “tarde”. O tempo não comporta previsões ou projeções, pois é senhor de si mesmo e não segue ninguém ou nada. Por isso, é preciso ser tratado com respeito. Ele não aceita desaforos. Nem desperdícios. Mas, por outro ângulo, de nada adianta temê-lo ou tentar contorná-lo. Ele não vai ouvir nem se desviar por isso. O tempo é para ser aproveitado. Mas também convém refletir sobre o que significa esse “aproveitar”. Aquele que ilude, seja aos outros, seja a si mesmo, pode até criar a percepção de que está aproveitando o tempo, mas ela será sempre uma percepção falsa, uma espécie de castelo de areia que não resistirá à ação do próprio tempo. Valioso será, incondicionalmente, o tempo de quem é verdadeiro, de quem respeita a si mesmo e aos outros. Mesmo que não consiga atingir a todos os seus propósitos ou não seja tão bem sucedido quanto exigem os padrões externos.

Estamos iniciando um novo ano e, por estas bandas do hemisfério sul do planeta, também um novo período que tanto pode ser a cópia exclusiva do que se tem visto até agora, ou não. As repetidas tragédias de inicio de ano se repetiram de forma absolutamente previsível, mostrando claramente quanto tempo foi e continua a ser desperdiçado em decorrência do desrespeito ao verdadeiro. Os comportamentos também não sofreram qualquer mudança ou renovação. A desfaçatez parece ter atravessado a barreira do ano findo e se instalado no mesmo diapasão de tranqüilidade em que tem se mantido ao longo dos anos. E o tempo prossegue sua caminhada sem qualquer sobressalto ou desvio de roteiro.

O que será que vamos fazer com ele? Vamos assistir sua passagem para, em algum momento, sentar numa pedra da estrada e chorar sobre seu rastro? Vamos continuar a esbanjá-lo sem qualquer respeito para, um dia, perceber que dele só ficaram as lembranças? Vamos continuar a desconstruir a nossa história vivendo sob o signo do cinismo para, num futuro imprevisível, sermos lembrados como pertencentes a um tempo em que imperou o vácuo?

De qualquer forma, ainda que o imperador disso tudo, Sua Majestade, o Tempo, não tenha dividido a si mesmo em ciclos, nós os inventamos e ao fim de um e começo de outro meio que por milagre, parece que as esperanças renascem.

Quem sabe? Quem sabe?

(*) Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com.


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