terça-feira, 21 de outubro de 2014

Lixo, um inimigo invisível

Paulo Terron 

Cada vez mais presente em nossas vidas e, ainda assim, muitas vezes invisível, o lixo é um dos maiores inimigos do mundo contemporâneo. É possível acabar com ele? 

O ritual de colocar o lixo para fora de casa traz uma sensação irreal; a de que a nossa relação com aqueles resíduos termina ali, distante da intimidade dos nossos lares. 
Uma pesquisa do Ibope, há dois anos, apontava o tratamento e acúmulo de lixo como a quarta preocupação do brasileiro sobre o meio ambiente, atrás de desmatamento, poluição da água e aquecimento global. 
"Como na maior parte do Brasil existe coleta de lixo, ele parece ser objeto de um passe de mágica; você o coloca para fora de casa e alguém o leva", explica Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. "O problema vem de um impacto que não é perceptível", completa. 

Para Mattar, a falta de conhecimento sobre os impactos do lixo no meio ambiente ajuda nessa passividade. "Para as pessoas, uma vez que o lixo sai dos domicílios, alguém está cuidando dele. O suposto é que o problema está sendo resolvido. 
Mas o impacto da decomposição nos lixões, que gera enormes quantidades de chorume que entram pela terra e poluem lençóis freáticos, é algo que não é visto. 
É completamente invisível, opaco." 

Em 2013, cada habitante do Brasil produziu em média pouco mais de 1 quilo de lixo ao dia. Esse número - que não considera, por exemplo, dejetos industriais - é parecido com a média de outros países, como Suécia e Estados Unidos. A diferença, entretanto, está no destino desse lixo. 

Resolver a questão pode não ser simples, mas há alguns caminhos para isso. Afinal, a maior parte dos resíduos pode ser reaproveitada, especialmente na compostagem (para orgânicos), reciclagem e até na polêmica queima para geração de energia. 
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei aprovada em 2010 depois de mais de duas décadas de debate e impasse, é um marco nesse sentido. 


Como já foi resolvido em outros lugares? 
"A culpa no crescimento de resíduos não é de quem lida com ele, e sim o resultado do consumo de todos", diz Anna-Carin Gripwall, diretora de comunicação da Avfall Sverige, associação que cuida da gestão de resíduos na Suécia. O país europeu virou referência na área ao reduzir para apenas 1% a quantidade de lixo que acaba em aterros sanitários.
Ainda assim, é necessário fazer mais, acredita a porta-voz; 
"É preciso focar mais na redução, reutilização e reciclagem." 

O projeto sueco começou nos anos 60 com uma campanha de conscientização quanto aos resíduos sólidos, destacando a importância da separação de recicláveis e a responsabilidade de cada um, conquistando assim a colaboração e a confiança do público. Esse esforço na educação ambiental é semelhante ao que foi aplicado no Japão no mesmo período - e que levou a cenas surpreendentes na Copa do Mundo no Brasil, quando torcedores japoneses se organizaram para recolher a sujeira das arquibancadas depois dos jogos. 

Nos Estados Unidos, San Francisco é exemplo nessas ações. 
O programa Zero Waste tem um objetivo claro; não enviar material algum para aterros ou incineração, isso graças a uma série de ações que encaminham o resíduo sólido para a reciclagem e o orgânico para a compostagem, além de estimular a diminuição da produção de lixo em geral. 

Para facilitar a coleta e o tratamento do lixo, a cidade criou um sistema que divide o lixo em três caçambas residenciais; recicláveis, material orgânico compostável e o que deve ser aterrado. E sim; além de separar o lixo, o consumidor paga um imposto específico, que varia entre R$ 58,50 e R$ 80,80, dependendo do tamanho das caçambas usadas. 
Ou seja, menos resíduo produzido equivale a menos dinheiro gasto. 

Como resolver aqui? 
Com a Política Nacional de Resíduos, as responsabilidades quanto ao lixo ficam bem mais claras. "Antes, os responsáveis pelo resíduo eram os municípios", explica Silvano Silvério da Costa, presidente da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana de São Paulo, que também já trabalhou no Ministério do Meio Ambiente.
"Agora existe a chamada 'responsabilidade compartilhada'. 
Os fabricantes, indústria, importadores e comércio passaram a também ser responsáveis pelos resíduos gerados a partir de produtos que colocaram no mercado", completa. 

"O grande desafio para fazer com que as pessoas se engajem na solução dos problemas é mostrar que elas de fato poderiam viver em uma sociedade muito melhor se todos se dedicassem, sem esperar que algo completamente abstrato, como 'o governo', fosse resolvê-los", afirma Helio Mattar. Para que o problema "invisível" do lixo brasileiro comece a ser solucionado, existem alguns caminhos possíveis. 

1. O conhecimento tem de ser espalhado 
Fazer a população entender a necessidade de separar o lixo orgânico do reciclável já é um grande desafio, mas o que vai acontecer quando o Brasil chegar ao ponto de ter de separar orgânico, reciclável e rejeito (lixo que não pode ser reaproveitado, tendo de ser aterrado)? 

Um exemplo brasileiro de sucesso com a educação sobre resíduos é o de Curitiba. 
Ações de conscientização entre 2005 e 2012, como a campanha SE-PA-RE, levaram a população a separar o material reciclável a ser coletado, gerando um aumento de 192% na reciclagem local. A Prefeitura também investe, desde o fim dos anos 80, em uma campanha chamada Câmbio Verde, na qual recicláveis são trocados por verduras, legumes e frutas. 

2. Será preciso empenho de cada um
Por volta de 51% do lixo urbano é material orgânico, que acaba em aterros ou lixões. 
Se no campo de coleta seletiva de recicláveis é vista uma evolução constante, mesmo que lenta, os orgânicos ainda estão em segundo plano. O ideal é que eles sejam tratados em casa - e é nisso que alguns municípios começam a apostar. 

Em São Paulo, que produz 6.300 mil toneladas diárias de resíduos orgânicos, a Prefeitura iniciou um programa de distribuição de composteiras caseiras, nas quais o cidadão pode transformar esse tipo de lixo em adubo. Dois mil desses equipamentos foram distribuídos, mas 10 mil pessoas se inscreveram no programa. 

"Essa ação tem um prazo de 6 meses, é para entendermos o perfil do cidadão que adere a essa proposta de retenção do resíduo orgânico no domicílio, de forma que possamos ampliar isso para até 1 milhão de domicílios", conta Costa, que lembra que a cidade também tem uma iniciativa que pretende compostar os restos de alimentos das 880 feiras de rua na cidade. 

3. Responsabilidade 
Um ponto pouco debatido da Política Nacional de Resíduos Sólidos diz respeito a um incentivo direto à conscientização do valor gasto com a coleta e tratamento de lixo no Brasil; existe um prazo para que os municípios deixem claro que há um imposto dessa área. Cidades que têm essa "taxa do lixo" embutida em outros tributos, como IPTU, terão de separar essas cobranças. Isso tornará as responsabilidades sociais e financeiras de todos sobre esses serviços mais evidentes. São Paulo teve uma experiência conturbada com esse tipo de imposto durante a gestão de Marta Suplicy, mas especialistas acreditam que esse é o caminho correto. 

O diretor-presidente do Instituto Akatu defende uma posição até mais incisiva na tentativa de conscientizar e determinar responsabilidades do cidadão. Para ele, a coleta de resíduos não deveria ser feita nas residências, mas sim a partir de pontos pré-determinados em cada bairro. Caberia a cada um levar o lixo até lá. 

"Com isso se elimina uma parte grande do custo da coleta. Além de mais econômica, essa prática faria cada pessoa perceber mais o quanto de lixo ela realmente está gerando, porque terá de carregá-lo para cima e para baixo", afirma Mattar. 

(*) Repórter multimídia do UOL. 

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