terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Não quero ter vergonha!

Antenor Pereira Giovannini (*)

“Pela porta da casa, se conhece o dono!”, de há muito diz o ditado. Quantos de nós nos esforçamos em apresentar nossa casa a mais limpa e arrumada possível quando temos uma visita. Independente do tipo de casa. Eu mesmo, quando exercia minha atividade profissional, por várias vezes adentrei a casa de produtores humildes, casa de madeira, com aquele piso vermelhão, mas, arrumadinha, limpinha, demonstrando que independente da condição, aquele cantinho seu, pessoal, estava o mais arrumado possível. E também quantas vezes somos pegos de surpresa por uma visita inesperada e tratamos de arrumar rapidamente a sala enquanto já nos apressamos em pedir desculpas ao visitante pela bagunça. Quantas vezes isso já ocorreu em nossa vida?

Transpondo a situação para nossa cidade de Santarém, que é a nossa casa, a situação é a mesma, com agravante que nenhuma das nossas autoridades se interessa em executar essa “arrumação” da melhor e mais rápida forma possível.

Por conta disso é que eu afirmo que gostaria de não ter vergonha. Gostaria de não ter vergonha ao receber visitas que chegam por via aérea e se defrontam a bagunça que é causada pela chegada e saída de dois aviões ao mesmo tempo. Verdadeira bagunça, sim, já que se trata de um espaço pequeno para abrigar tanta gente a se empurrar na ânsia de tirar seus pertences de uma esteira ou com taxis misturados com veículos particulares à procura de passageiros. Se a demora e os custos são altos para uma obra de melhoria, que se ajustem para que tenhamos apenas um vôo em cada horário. Simples.

Se na parte aérea temos isso, na de barcos a vergonha se torna ainda maior, haja vista que, mesmo com 350 anos de vida, tendo nascido, sobrevivido e ainda sobreviver do rio, não temos uma hidroviária para atender passageiros e cargas. Tudo fica jogado num mesmo lugar mal cuidado, numa confusão sem igual para se atingir algum barco, tanto para acesso de pessoas como de cargas. Os carregadores andam metros a fio para levarem ou trazerem suas cargas seja para a orla, seja para barcos. É no mínimo um despropósito que haja tal acesso de pessoas e não se disponha de uma hidroviária, além de a orla servir de estacionamento de barcos comprometendo sua estrutura.

Não quero ter vergonha de levar algum amigo ou parente a passear a pé pela cidade e obrigá-lo a um balé sem fim por ter que andar ora pela calçada, ora pelo meio da rua, por não haver uma seqüência de calçadas transitáveis ou então, se deparar com o comércio que impede o básico que toda cidade tem que ter: o direito de ir e vir em calçadas.

Não quero ter a vergonha de levar algum amigo ou parente ao cartão postal de nossa região, Alter do Chão, e ver a exploração escorchante nos preços dos alimentos. Meia banda de um tambaqui (peixe da região) custa até R$ 50,00 alem de ser feito de maneira duvidosa, usando a água do canal. Ou, então, ter que se deslocar de catraia até a orla porque não temos banheiros químicos junto à ilha, sabendo-se que a grande maioria dos usuários não vai querer gastar outra ida e vinda apenas para usar o único banheiro público. Isso sem contar com o desinteresse pela qualidade do atendimento, pautado pelas péssimas condições higiênicas dos poucos restaurantes da comunidade, que, além de tudo, muitas vezes servem refeições frias e a preços absurdos.

Não quero ter vergonha de levar um amigo ou parente para observar que nossa cidade possui uma centena de terrenos baldios expostos, inclusive no centro da cidade, cheios de matos, mal conservados, com lixo e proporcionando todas as condições de proliferação do mosquito da dengue, isso com a mídia em geral, principalmente, televisiva, mostrando a importância de manter tais locais, cercados, murados, e limpos.

Não quero ter vergonha de levar um amigo ou parente a ver que não é todo dia que temos água em casa e corre-se o risco de não haver banhos ou mesmo lavagem de algum material de refeição mais simples. Temos dois rios na nossa porta e não temos água nas torneiras.

Não quero ter vergonha de levar um amigo ou parente e mostrar que há uma necessidade constante de economizar energia, porque além dela ter oscilações de freqüência, ainda é uma das tarifas mais caras do País e qualquer uso um pouco maior reflete diretamente no bolso.

Não quero ter vergonha de levar um amigo ou parente e mostrar que nosso trânsito é uma verdadeira bagunça, principalmente observando atuação dos moto-taxistas clandestinos que possuem o mesmo espaço que os moto-taxistas autorizados, com agravante que são mais de dois mil contra pouco mais de seiscentos.

Não quero ter vergonha de levar um amigo ou parente a transitar pelo centro e observar o mau cheiro vindo dos filetes de água suja e comprometida que correm junto ao meio fio e deságuam no rio, demonstrando a total falta de saneamento básico. O que mais assusta é que se é assim no centro, pode-se imaginar os bairros da periferia.

Não quero ter vergonha de conversar com um amigo ou parente e lhes dizer que nossa cidade não tem vida financeira própria porque não temos indústrias, não temos empresas novas e que nossa economia depende de funcionalismo público e aposentados e que mesmo tendo um porto na porta e, o que é pior, próximo dos grandes centros consumidores do mundo, não somos capazes de criar mecanismos para utilizá-los como uma grande ferramenta de geração de empregos e renda.

Não quero ter vergonha de levar um amigo ou parente ao supermercado e observar que 100% dos produtos básicos de consumo, principalmente horti-fruti granjeiros são originários de São Paulo, porque aqui quase nada se produz. Não há incentivos e por isso torna-se mais fácil e prático importar verduras e frutas sendo que ultimamente até peixe e carne suína temos importado.

Não tenho vergonha de mostrar o povo que aqui vive e que aqui recebe a todos da mesma maneira com carinho, amor e sem se importar com seu CPF mas, sim com seu RG. Todos são tratados de forma igual e logo acabam se tornando filhos da terra. , Por isso, cada vez mais quem aqui chega, se instala, cria família e filhos, acaba adquirindo esse sentimento de vergonha e revolta ao ver uma terra encantada, abençoada por Deus, com todos os atrativos que a natureza lhe concedeu, ser tão mal-tratada por dirigentes omissos, incompetentes, e preocupados com tudo, menos com bem estar de uma Santarém bem próxima dos seus 350 anos de vida,

Não há como não ter vergonha de ter esses dirigentes que por incrível que possa parecer também devem receber, parentes, amigos e até autoridades e não conseguem sentir a mesma vergonha que nós sentimos quando apresentamos a cidade que eles administram ou fazem de conta que administram. Talvez seja pelo fato de que sentir vergonha exige caráter, produto completamente em falta entre eles.

(*) Aposentado, agora comerciante e morador em Santarém 

3 comentários:

  1. Edilberto Sena10/2/11 09:40

    Excelente matéria, Antenor. Legal, acho que deve enviar em envelope lacrado até a mesa da prefeita e de seus secretários(as). Também eu
    sinto vergonha de ver tanta desordem. A lista poderia ser mais extensa, com os igarapés esgotos, hospitais precários, médicos
    incompetentes que erram em seus procedimentos profissionais e fica por isso, etc, etc. Continuemos como profetas Jeremias de hoje.
    Um abraço do amigo
    Edilberto

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  2. Cris - Santarém -11/2/11 08:25

    Antenor - Seu texto expõe exatamente o que eu senti poucos meses atrás quando recebi duas amigas mineiras. Certamente o mais importante era revê-las porém a gente sempre quer mostrar a nossa cidade. Fui levá-las na Ulbra e passamos pela Av Moaçara e uma delas ao ver o estado dessa rua afirmou que certamente o prefeito da cidade não passava naquela rua diante de tantos buracos.
    Fomos em Alter e apesar de ficarem encantadas pelas belezas sentiram no bolso os preços absurdos e a qualidade duvidosa da refeição que alias, como bem voce escreveu, veio fria.
    Levá-las até Monte Alegre e apresentar a nossa "hidroviária" foi outra coisa difícil explicar para quem depende do rio.
    Tivemos outras situações que nos deixa vermelhas de vergonha porque poderiamos ter uma cidade mais limpa e ordeira.
    Lamento ter que compartilhar com seu desabafo.
    Esperamos que nossas autoridades tenham a mesma vergonha que nós.

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  3. Oswaldo - Recife -18/2/11 08:25

    Sr Antenor - Como supervisor de vendas estive em Santarém pela primeira vez há pouco tempo atrás visitando alguns clientes. Entre os pontos apontados no artigo o que me chamou atenção pela realidade que voces vivem é o que chamam de porto para embarque de barcos para outras regiões. Tendo a necessidade de me deslocar até Monte Alegre usei esse local. Confesso que fiquei bastante horrorizado com que ví e tive que passar para chegar até o barco indicado . Primeiro para chegar até ele pela distancia da maré. E tendo chegado bem antes da hora marcada da partida, pude assistir inúmeras situações bem vexatórias como de uma senhora que certamente por questões de idade e saúde, foi carregada da orla até um outro barco ao lado. Dificil acreditar que um cidade tão conhecida e tão antiga não possua uma estrutura condizente para que os passageiros tenham conforto em chegar e sair de barco. Dessa primeira viagem, foi um tópico que chamou muita atenção. Eu devo usar uma vêz ou outra mas quem precisa usar constantemente, sem dúvida, é um grande desafio.

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