segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um país de mentira

Ricardo Noblat (*)

Quanto mais mentem à vontade e sem constrangimento os cínicos que nos governam ou representam, pior é a qualidade de suas mentiras.

De fato, a perda de qualidade tem tudo a ver com o grau de nossa indignação diante do que Dilma chama de malfeitos.
Se nos indignamos pouco ou quase nada para que sofisticar as mentiras e torná-las verossímeis?

A mais recente e reles mentira oferecida ao nosso exame foi publicada na última edição da VEJA. O mecânico Irmar Silva Batista, filiado ao PT há 20 anos, tentou criar o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Reparação de Veículos e Acessórios no Estado de São Paulo.

Em 2008, ele bateu à porta do Ministério do Trabalho para tratar do assunto com o então secretário de Relações do Trabalho, o ex-deputado Luiz Antonio de Medeiros.
O ministro já era Carlos Lupi, presidente do PDT. Medeiros encaminhou Irmar a Eudes Carneiro, assessor de Lupi.

Eudes trancou-se com Irmar em uma sala. Primeiro, pediu-lhe que desligasse o telefone celular. Em seguida cobrou R$ 1 milhão para liberar o registro do sindicato.
Irmar denunciou o caso a parlamentares do PT – entre eles, o senador Eduardo Suplicy.
Sem sucesso. Então escreveu uma carta a Lula. Sem resposta.

Um mês depois da posse de Dilma, Irmar enviou-lhe uma carta por e-mail contando em detalhes tudo o que se passara. Mandou cópia para Gilberto Carvalho, secretário-geral da presidência.
No dia 9 de março último, o Palácio do Planalto confirmou o recebimento da carta.

Na semana passada, a assessoria de imprensa da presidência informou que nenhuma providência a respeito pode ser tomada porque o trecho da carta que narrava a patifaria acabara cortado da mensagem.

Não é espantoso? Sumiu da carta justamente o trecho onde Irmar denunciava o grupo que agia no Ministério do Trabalho pedindo dinheiro para liberar registro sindical.
Mas sumiu como? Não se sabe. Assim como ainda não se sabe se a carta para Gilberto apresentou a mesma falha.

Vai ver o trecho mais explosivo dela chegou truncado aos seus destinatários. Vai ver quem
digitou o e-mail pulou o trecho. Custava a quem o recebeu alertar seu autor que ficara faltando um trecho? Assim a carta poderia ter sido reenviada.

Bons tempos aqueles onde um dossiê da Casa Civil sobre despesas sigilosas do governo Fernando Henrique foi batizado por Dilma de banco de dados. Fazia até algum sentido – embora fosse mentira.

E o mensalão que Lula se empenhou para que fosse confundido com Caixa 2?
Mensalão é crime. Caixa 2 também é. Mas Caixa 2 soa como um crime leve, quase inocente.
O que alimentou o mensalão foi dinheiro desviado de órgãos públicos. Se preferir, “recursos não contabilizados”, como observou com deslavada hipocrisia o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

Montagem de falso papelório político para uso contra adversários é coisa de bandido nos lugares onde as palavras correspondem ao seu verdadeiro significado.
Aqui foi coisa de “aloprado” – um sujeito que age por conta própria para ajudar a se reeleger quem repele ajuda desse tipo.

Sobreviveu ao governo anterior e atravessará o atual uma das mais perigosas mentiras jamais produzidas. Atende pelo nome de “controle social da mídia”.
Seria mais adequado referir-se a ela como “censura”. Diz-se que o controle se fará sem interferir no conteúdo. Quem acredita?

A mãe de todas as mentiras é também a mais perversa. Ela atribui a bandalheira à governabilidade.
Como para governar é preciso contar com maioria de votos no Congresso ou nas Assembléias, os partidos abiscoitam cargos e fazem com eles o que bem entendem. De preferência, roubam.

A bandalheira não decorre da necessidade de contar com o apoio de partidos. Decorre da falta de princípios e de coragem do governante para valer-se da força do mandato obtido mediante o voto popular.

Afinal, para que servem os milhões de votos que elegem um presidente ou governador?

(*) Jornalista e colunista do jornal O Globo responsável pelo Blog do Noblat.


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