domingo, 26 de setembro de 2010

Nós, obsoletos

Luiz Fernando Verissimo

Nenhuma notícia me animou tanto, nos últimos tempos, quanto a da volta do disco de vinil.

O vinil tinha sido declarado morto, definitivamente acabado, com a chegada do CD. Continuava à venda em nichos obscuros das lojas de disco, apenas para colecionadores de antiguidades e outros tipos esquisitos.

Mas aconteceu o seguinte: descobriram que as gravações em vinil eram superiores, em matéria de fidelidade sonora, às gravações digitais. Algo a ver com a reprodução dos harmônicos, não me peça detalhes.

E mais: concluíram que a desvantagem mais evidente do vinil em comparação com o CD, o ruído de superfície, o chiado da agulha no sulco, na verdade é uma vantagem, faz parte do seu charme.

As pessoas não sabiam bem o que estava faltando no CD e de repente se deram conta: faltava o chiado. Faltavam o poc da sujeira no disco e o crec-crec do arranhão.

Dizem que já se chegou ao cúmulo de acrescentar um chiado em gravações em CD, para simular o ruído de uma agulha lavrando um sulco inexistente. Não sei.

O que interessa a nós, obsoletos, no resgate do vinil é a perspectiva que ele nos traz do desagravo. Eu já tinha me resignado à obsolescência.

Como o disco de vinil, existia apenas como objeto de curiosidade e comiseração: sem telefone celular, sem nada nos bolsos que me informe instantaneamente as cotações na bolsa de Tóquio, a temperatura em Moscou e a raiz quadrada de 117 enquanto toca uma música e me faz uma massagem, sem nenhum outro uso para meu laptop além de escrever estes textos, mandar e receber e-mails e, vá lá, colar do Google, um homem, enfim, com saudade das pequenas cerimônias humanas do passado, como a de levar um rolinho de filme para ser revelado na loja.

E agora surge esse exemplo de regeneração para a nossa espécie, a dos relegados pela técnica. Ainda voltaremos ao convívio dos nossos contemporâneos sem precisar esconder que não temos tuiter.

Os discos de vinil saíram do seu nicho e hoje ocupam espaços respeitáveis, em contraste com os CDs, que perdem espaço. Também podemos sair do pequeno espaço da nossa resistência e proclamar que os anúncios do nosso fim foram prematuros e ainda temos alguma utilidade.

É só nos explicarem algumas coisas. O que quer dizer a tecla "Num Lock" no computador, por exemplo?

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