sexta-feira, 2 de julho de 2010

A greve e os valores da USP

Opinião do Estadão

A greve dos servidores da USP terminou um dia antes do início das férias de julho e dois dias antes do período de seis meses em que, pela legislação eleitoral, o Executivo fica proibido de conceder reajustes salariais ao funcionalismo. Como sabiam que qualquer aumento só poderia ser dado após janeiro de 2011 e como consideram férias um direito sagrado, os grevistas, que estavam há 57 dias sem trabalhar, recorreram nesta semana a medidas radicais para pressionar a reitoria.

Depois de invadida a reitoria, eles fecharam a creche que a USP mantém para filhos de professores e servidores, ameaçaram invadir o Centro de Computação Eletrônica e "reduziram" a reivindicação salarial em 1,57%. Eles pleiteavam o mesmo reajuste dado aos docentes, que obtiveram aumento de 6%, em maio, e outro de 6,57%, em junho. Os servidores, que só receberam 6%, exigiam mais 6,57%, em nome da "isonomia entre as classes".
A escalada de intimidação e violência da categoria parece ter dado certo, pois o reitor Grandino Rodas, que até então resistia às pressões, tendo determinado o corte do ponto e o desconto dos dias não trabalhados, prometeu não punir os grevistas e se comprometeu a depositar os valores relativos aos dias não trabalhados na próxima semana e a negociar um aumento de 5%, o que confirmaria a absurda tese da isonomia entre professores e funcionários.

As duas partes cantaram vitória, mas o fato é que foi mantida uma das mais tristes tradições da USP, segundo a qual os servidores convertem quem ensina, estuda e pesquisa em refém de interesses corporativos, paralisando a vida da instituição de modo truculento, sem o risco de sofrer sanções. A greve de 2009 também durou 57 dias. Somadas as paralisias dos últimos 17 anos, o funcionalismo da maior universidade pública do País permaneceu 388 dias ? dois anos letivos ? sem trabalhar.

Por ironia, enquanto os grevistas negociavam o fim da greve com o reitor, o diretor de uma das principais unidades da universidade divulgava um comunicado anunciando que neste mês o expediente será reduzido, por causa das férias dos servidores. Ou seja, não haverá nem mesmo reposição das horas não trabalhadas, pelo menos em julho, o que prejudicará ainda mais o lançamento de notas das provas realizadas em junho. Numa universidade onde os servidores ganham duas vezes o que ganham os trabalhadores da iniciativa privada que exercem a mesma função, as principais funções da instituição ? ensino, pesquisa e extensão ? parecem estar em segundo plano. Entre junho de 2009 e maio de 2010, os salários dos servidores foram reajustados em 119%, enquanto a inflação do período ficou em 79%.

Baseada na depredação do patrimônio público e na ameaça física a dirigentes universitários, a greve de 2010 evidenciou uma inversão de valores que há anos corrói o compromisso da USP com a qualidade do ensino e a preocupação com o alargamento das fronteiras do conhecimento. Controlados por facções radicais de esquerda e representados por um sindicalismo de fachada, alguns setores da burocracia uspiana invocam a autonomia universitária para afrontar o princípio da autoridade e reclamam da "criminalização dos movimentos sociais" todas as vezes em que são acionados judicialmente por seus desmandos.

Uma instituição que teve papel decisivo na redemocratização do País não pode agora, em pleno Estado de Direito, ficar à mercê de quem age de modo truculento e despreza a ordem jurídica para obter vantagens.

Como hoje na USP os servidores ganham mais do que receberiam fora, enquanto os docentes têm salários inferiores aos que poderiam obter na iniciativa privada ou em outras universidades públicas, a política de aumentos diferenciados tinha por objetivo conter a evasão dos pesquisadores e professores. Com o acordo feito entre a reitoria e o Sintusp para o fim da greve, de algum modo a tese da isonomia prevaleceu e as atividades poderão ser retomadas depois das férias, mas a crise de valores da USP se agravou.






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