domingo, 18 de julho de 2010

Pipocas, não

Luiz Fernando Verissimo para o Estadão

Marina nunca gostou de futebol, mas se empolgou pela Copa. Se empolgou, principalmente, pelo Forlan. Passou a acompanhar todos os jogos da Copa, e não apenas os do Uruguai. Mas ela e o grupo de amigas que reunia em casa gostavam mesmo era de ver o Forlan.
O marido da Marina, Zé Henrique, não se importava com seu novo interesse pelo futebol. Mas aquela invasão da sua casa por mulheres, justamente na hora dos jogos, quando ele gostava de se espichar no sofá com uma cerveja, e fazer pipoca no intervalo, e ver os jogos sozinho, ou com a mulher ao seu lado apenas dando palpites para fingir que se interessava ("Que brutalidade!") - aquilo era demais. Ficava ele no meio das mulheres, sentado num canto, banido do seu próprio sofá.

E tendo que responder a perguntas. O que era impedimento, mesmo? Se o goleiro era o único que podia tocar a bola com as mãos, como é que outros usavam as mãos para bater lateral? Por que se dizia "bater lateral" quando o que faziam era atirar a bola? E o Forlan, era casado?
Um dia, com sete mulheres na sala, ele mal conseguindo enxergar a televisão, houve um lance que indignou a todas. Marina virou-se para o marido e exigiu uma explicação.
- Bola no travessão não vale nem um ponto?
- Não, Marina. Bola no travessão não vale nada.
- Mas devia. Devia!
- Marina, não fui eu que fiz as regras.
- Você também, Zé Henrique!
Todas as mulheres da sala olharam para ele com reprovação. Como se uma bola no travessão do Forlan não valer nada fosse uma demonstração revoltante de insensibilidade masculina.
Ele precisou se defender.
- A culpa não é minha!

Antes, no intervalo do jogo, Marina tinha dito:
- Zé Henrique, faz umas pipocas pra gente.
E, para as amigas:
- O Zé Henrique faz pipoca muito bem.
- Não - disse o Zé Henrique.
- O quê?
- Pipoca, não.
- Zé Henrique!
Seu mundo tinha sido invadido. Ele não podia deter a invasão. Mas não ia alimentar as invasoras. Que pensassem o que quisessem dele, que o chamassem de grosseiro, de ciumento, de ressentido.
Mas pipocas, decididamente, não.

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