domingo, 6 de maio de 2012

O risco de competir no limite

Morte súbita no esporte atinge mais quem compete no limite 

Alexander Dale Oen
O Globo 

A morte sem aviso de atletas jovens e aparentemente saudáveis no local de competição causa choque aos fãs do esporte, mas médicos ponderam que é pequena a probabilidade de morte como a do nadador Alexander Dale Oen, ídolo da Noruega no nado peito que teve semana passada uma parada cardíaca debaixo do chuveiro, depois de um treino. A razão é de um caso para cada 133 mil atletas masculinos de alto rendimento, desses que vivem para ganhar medalhas e troféus, de acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. Para atletas mulheres, mais raro ainda: um óbito para 700 mil esportistas. Apesar de poder contar nos dedos os casos entre quem leva a competição ao limite, atletas por recreação não estão livres dos riscos. 

— A impressão que se tem é que, com a rapidez atual dos meios de comunicação, os casos de morte súbita durante a prática esportiva ganharam mais destaque nos últimos anos, mas não necessariamente ficaram mais frequentes — crê o presidente da sociedade, Jomar Souza. — Infelizmente, por mais tecnologia que se tenha, será impossível zerar os casos de morte súbita em atletas. Em alguns casos, a doença que o atleta tinha no coração só se manifesta uma vez, na hora da morte. 

Um estudo realizado por médicos de um grupo de trabalho para o Comitê Olímpico Internacional em Lausanne, na Suíça, identificou as características mais comuns dos competidores de alto rendimento — com até 35 anos — que morrem durante a atividade. Metade morreu por causa de doenças cardíacas herdadas geneticamente dos pais. Outros 10%, devido a arterosclerose cardíaca desenvolvida precocemente. Quarenta por cento dos atletas tinham menos de 18 anos, e para cada mulher que morreu, houve outros nove homens, uma proporção ainda menor que o indicado pela sociedade brasileira da especialidade. Foram encontrados casos em quase todos os esportes no levantamento feito com dados registrados entre 1966 e 2004 e publicado pelos médicos suíços no Jornal Europeu de Cardiologia Preventiva. O futebol esteve em 30% das mortes súbitas, basquete em 25% e corrida em 15%. 

— Esportes que exigem condicionamento aeróbico (resistência), como futebol, basquete, maratona e vôlei são os que ocasionam morte súbita. Nunca vi, por exemplo, registro de morte súbita no boxe ou em velocistas. Na luta, as mortes podem ocorrer por trauma dos golpes, mas não por esforço — explica Souza, lembrando que, em março, o jogador italiano de vôlei Vigor Bovolenta, de 37 anos, morreu em quadra durante partida do Campeonato Italiano de vôlei. 

Para os reles mortais que praticam exercício sem intenção de chegar às Olimpíadas, a probabilidade de morte súbita é menor. De acordo com estudo publicado no site da Associação Americana do Coração, chefiado pelo Centro Parisiense de Pesquisa Cardiovascular, ocorreram, entre os franceses, 4,6 mortes súbitas por milhão de praticantes de esportes, sejam eles de alto rendimento ou não. Mas a idade de incidência muda: enquanto na turma da competição a morte é mais frequente em jovens com menos de 20 anos, os atletas eventuais enfrentam perigo maior entre 40 e 60 anos. E a incidência maior também é entre homens. 


— A morte súbita entre atletas jovens de alto rendimento acontece de quatro a cinco vezes mais que em atletas jovens que não competem. Mesmo assim, o índice ainda é inferior à incidência do problema na população em geral. Os números mostram, no fim das contas, que a prática esportiva previne a morte súbita — defende Eloi Marijon, cardiologista francês que chefiou o estudo. 

Nos atletas que morrem com menos de 35 anos, o mais comum é uma doença congênita chamada de miocardiopatia hipertrófica, segundo Souza, uma dilatação na parede que divide os lados esquerdo e direito do coração. A partir disso, o mais comum é o infarto do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (AVC), como os derrames, explica a cardiologista Isa Bragança, especializada em Medicina do Esporte e diretora da CardioMex. 

— O atleta de fim de semana é o mais perigoso, pois não está condicionado e pode ter um pico de pressão arterial que pode desencadear um AVC. A idade crítica é entre 45 e 60 anos para os homens, que, por uma questão genética, têm mais probabilidades de desenvolver doenças coronarianas. Nas mulheres até a menopausa, o estrogênio protege as paredes do vaso sanguíneo — esclarece Isa. 

Um dos dados do trabalho produzido pela equipe do cardiologista francês mostra que em quase todos os casos de morte mapeados no país europeu entre 2005 e 2010 havia uma testemunha (93%). O número significa, de acordo com o estudo, que o treinamento em técnicas de ressuscitação e uso médico de desfibriladores no local de competição pode salvar vidas. Na França, de acordo com o levantamento, em apenas 30,7% dos casos, a ressuscitação cardiovascular foi iniciada por um colega. 


Foi o pronto atendimento ainda no campo de jogo que contribuiu para a recuperação surpreendente do meio-campo do Bolton, do futebol inglês, Fabrice Muamba. O jogador, de 24 anos, teve uma parada cardíaca por mais de 70 minutos durante uma partida e levou colegas de equipe aos prantos, cientes de que o risco de morte era iminente. Semana passada, depois de ficar em recuperação desde março, Muamba foi homenageado em campo depois de chegar andando ao gramado. 

Nesta semana, está programado para ocorrer em Porto Alegre um congresso de medicina esportiva para debater os casos recentes de mortes súbitas de atletas e discutir quais protocolos médicos podem ser melhorados para evitar o problema. Especialistas são claros ao afirmarem que não é possível antecipar todos os riscos de morte súbita, mas o monitoramento médico de atletas de alto rendimento é importante. 

Foi um desses check-ups que evitou maiores problemas ao meio de campo do Flamengo Renato Abreu. Aos 33 anos e já com uma longa carreira profissional, ele descobriu em março que sofria de arritmia cardíaca. Precisou passar por uma cirurgia que, apesar de delicada, permitiu que o jogador voltasse aos gramados no mês seguinte. 

— Para qualquer candidato a atleta, é importante fazer uma avaliação médica pré-participativa. Não se pode dispensar a entrevista com o futuro atleta, para saber se ele tem casos de problemas cardiovasculares na família — diz Isa, que alerta para a frágil cobrança pelas academias de ginástica pelos exames médicos. 

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