Bellini Tavares de Lima Neto (*)
“A mais tremenda das armas,
Pior que a durindana,
Atendei, meus bons amigos:
Se apelida:
- A língua humana!”
(Fagundes Varella)
Há muito tempo um dos meus irmãos tinha um carro, um antigo Volkswagen, carrinho que já foi muito popular entre nós. Era um modelo simples, dotado de um motor identificado como 1300. Meu irmão cismou de trocar o motor por um modelo 1500.
Eu disse a ele que aquilo era uma bobagem, que não deveria gastar dinheiro com isso e por aí afora. Mas ele queria, queria e, um belo dia, apareceu com o carro e seu motor novo. Estava feliz, orgulhoso de sua proeza. E eu, então, subi nas minhas próprias tamancas, pronto para iniciar um discurso de contundente reprovação.
E, como que por milagre ou ação de alguma força sobrenatural, de repente alguma coisa me disse:
“O que é que você vai dizer?
Vai repetir aquele discurso todo?
Ele já fez o que queria fazer, está contente.
O que você quer fazer?
Dar um jeito de prevalecer a tua opinião?”
É claro que o discurso não foi tudo isso, mas o importante é que eu levei um “cala boca” de proporções exatas e oportuno, um safanão para guardar minha língua na boca e respeitar a natureza que nos dotou de apenas um órgão falador e dois para ouvir.
Não sei se aprendi a lição de forma definitiva, mas o fato é que nunca mais me esqueci disso. Será que tomamos algum cuidado com o que dizemos? Será que nos ocorre que o que dizemos pode não ter razão alguma para ser dito e, o que é pior, pode desagradar, magoar ou ferir a quem ouve?
Será que temos, mesmo, que dizer tudo o que nos vem à cabeça?
Nestes tempos ásperos, a gentileza parece ter resolvido se ausentar por tempo indeterminado e se esconder em lugar incerto e não sabido.
Na bolsa de valores morais, parece andar em baixa, cotação zero ou muito próximo disso. Ninguém quer, ninguém se interessa. Ninguém abre mão de coisa alguma em nome dela, mesmo que não haja coisa alguma a abrir mão. Ela não é considerada e pronto.
Aí, as pessoas vão dizendo ou fazendo tudo o que lhes vêm à mente, mesmo que possa ter vindo das regiões menos recomendáveis. A peneira vem se tornando cada vez mais grossa, a filtragem não pega praticamente nada.
Tudo sobe, tudo bem à tona e estamos conversados. Não gostou? Coma menos.
O poeta, com seu talento inquestionável, autor de uma das mais lindas páginas da poesia em língua portuguesa, o seu imortal “Cântico do Calvários”, também teve sensibilidade para detectar essas que, sem dúvida, é a mais poderosa de todas as línguas. Uma vez que nascido no século XIX, seus parâmetros eram as armas da época:
“Qual a mais forte das armas, a mais firme, a mais certeira?
A lança, a espada, a clavina ou a funda aventureira? A pistola? O bacamarte?
A espingarda ou a flecha? O canhão que, em praça forte, faz em dez minutos brecha?”.
Os tempos correram, as armas de refinaram, mas nada conseguiu superar, em força e contundência, em capacidade de ferir ou causar dor, o poder da língua humana.
E isso tem uma razão simples: todas essas armas podem dizimar a vida e, então, a dor se acaba. Ou podem causar muita dor mas será passageira.
A língua humana não mata, apenas fere.
Mas o ferimento jamais se cicatriza e a dor não passa.
(*) Advogado, avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)
“A mais tremenda das armas,
Pior que a durindana,
Atendei, meus bons amigos:
Se apelida:
- A língua humana!”
(Fagundes Varella)
Há muito tempo um dos meus irmãos tinha um carro, um antigo Volkswagen, carrinho que já foi muito popular entre nós. Era um modelo simples, dotado de um motor identificado como 1300. Meu irmão cismou de trocar o motor por um modelo 1500.
Eu disse a ele que aquilo era uma bobagem, que não deveria gastar dinheiro com isso e por aí afora. Mas ele queria, queria e, um belo dia, apareceu com o carro e seu motor novo. Estava feliz, orgulhoso de sua proeza. E eu, então, subi nas minhas próprias tamancas, pronto para iniciar um discurso de contundente reprovação.
E, como que por milagre ou ação de alguma força sobrenatural, de repente alguma coisa me disse:
“O que é que você vai dizer?
Vai repetir aquele discurso todo?
Ele já fez o que queria fazer, está contente.
O que você quer fazer?
Dar um jeito de prevalecer a tua opinião?”
É claro que o discurso não foi tudo isso, mas o importante é que eu levei um “cala boca” de proporções exatas e oportuno, um safanão para guardar minha língua na boca e respeitar a natureza que nos dotou de apenas um órgão falador e dois para ouvir.
Não sei se aprendi a lição de forma definitiva, mas o fato é que nunca mais me esqueci disso. Será que tomamos algum cuidado com o que dizemos? Será que nos ocorre que o que dizemos pode não ter razão alguma para ser dito e, o que é pior, pode desagradar, magoar ou ferir a quem ouve?
Será que temos, mesmo, que dizer tudo o que nos vem à cabeça?
Nestes tempos ásperos, a gentileza parece ter resolvido se ausentar por tempo indeterminado e se esconder em lugar incerto e não sabido.
Na bolsa de valores morais, parece andar em baixa, cotação zero ou muito próximo disso. Ninguém quer, ninguém se interessa. Ninguém abre mão de coisa alguma em nome dela, mesmo que não haja coisa alguma a abrir mão. Ela não é considerada e pronto.
Aí, as pessoas vão dizendo ou fazendo tudo o que lhes vêm à mente, mesmo que possa ter vindo das regiões menos recomendáveis. A peneira vem se tornando cada vez mais grossa, a filtragem não pega praticamente nada.
Tudo sobe, tudo bem à tona e estamos conversados. Não gostou? Coma menos.
O poeta, com seu talento inquestionável, autor de uma das mais lindas páginas da poesia em língua portuguesa, o seu imortal “Cântico do Calvários”, também teve sensibilidade para detectar essas que, sem dúvida, é a mais poderosa de todas as línguas. Uma vez que nascido no século XIX, seus parâmetros eram as armas da época:
“Qual a mais forte das armas, a mais firme, a mais certeira?
A lança, a espada, a clavina ou a funda aventureira? A pistola? O bacamarte?
A espingarda ou a flecha? O canhão que, em praça forte, faz em dez minutos brecha?”.
Os tempos correram, as armas de refinaram, mas nada conseguiu superar, em força e contundência, em capacidade de ferir ou causar dor, o poder da língua humana.
E isso tem uma razão simples: todas essas armas podem dizimar a vida e, então, a dor se acaba. Ou podem causar muita dor mas será passageira.
A língua humana não mata, apenas fere.
Mas o ferimento jamais se cicatriza e a dor não passa.
(*) Advogado, avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)
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