quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Tempo que não passa

Bellini Tavares de Lima Neto (*) 

Curiosamente, fala-se mais agora na chamada ditadura militar que quando ela ainda era de recente término. E as críticas giram, quase que sempre, em torno de alguns poucos temas que se repetem: falta de liberdade de expressão por conta da censura, corrupção nas obras públicas, informações distorcidas a respeito da situação do país, torturas, repressão e por aí afora. 

Eu vivi esse tempo. Sou antigo, muito antigo. E confesso que, em alguns momentos, olho em volta de mim mesmo e tenho a impressão que continuo com 20 anos. 
Não fossem os cabelos brancos, a barriga, a falta de lepidez física e outras particularidades igualmente faltantes, eu seria capaz de apostar que ainda frequento a velha PUC, lá na Rua Monte , alegre e sonho em me tornar um compositor da MPB. 

Leio nos jornais que, em certo momento, um ex-presidente simplesmente ignorou uma recomendação vinda do Tribunal de Contas e aprovou uma certa medida que acabou favorecendo um setor hoje envolvido num escândalo de arrepiar. 
E me recordo de quando os homens de farda resolveram que para sair do pais era necessário fazer um depósito em dinheiro. Alguém entendeu que aquilo era ilegal e resolveu impetrar um Mandado de Segurança. O juiz concedeu a segurança, o cidadão foi à Policia Federal obter seu passaporte e recebeu um sonoro “não” pela cara. 
Tribunal não manda nada. 

Vejo nos bravos periódicos e nas redes sociais que alguns delegados de policia andaram criticando a presidente em exercício, especialmente durante o período pré-eleitoral. 
A digníssima foi reeleita e, passado o vendaval, vejo, nos mesmos bravos periódicos e redes sociais que os ais delegados serão objeto de investigação. 
E, ato contínuo, me vem à lembrança as páginas e páginas dos jornais contendo receitas de bolo ou trechos de poemas no lugar das noticias censuradas.
Falem mal, mas NÃO falem mal de mim. 

Vejo nos jornais que durante todo o período eleitoral, os dados da economia foram subtraídos do conhecimento público. Vejo mais que as autoridades responsáveis por isso se utilizam de um expediente mais do que ardiloso: a maquiagem dos balanços. 

Vejo, mais recentemente que o governo federal deseja fazer aprovar uma lei alterando, no final do ano, as regras referentes a determinadas metas econômicas que o desempenho não atingiu. E, subitamente, me volta à lembrança um antigo ministro da fazenda dos tempos verde oliva que afirmou que a inflação era algo em torno de 10% ou 11%. Mas, isso ele fazia porque eram tempos autoritários.

Pois é. Bem, a noite está chegando, vou passar a mão na viola e sair para a rua. 
Sempre pode aparecer uma chance de se tocar e cantar em algum lugarzinho legal. 
Ou, quem sabe, surge uma gatinha, a gente dá uma fugida até o Ibirapuera para namorar. 

(*) Advogado, avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)

Um comentário:

  1. Perfeito texto, como sempre. Vão-se os dedos e ficam os anéis.

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