sábado, 8 de novembro de 2014

Consciência em paz

J.R.Guzzo (*) 

O lado ruim da vitória de Dilma Rousseff nestas eleições, para não ficar gastando latim depois da missa, é que Dilma Rousseff ganhou. 

O lado bom é que agora está garantido, sem margem de erro, que ela ficará no cargo só mais quatro anos; no dia 1º de janeiro de 2019 terá de ir embora. É um alívio. 

Desde o seu primeiro dia na Presidência sempre houve a possibilidade angustiante de que continuasse lá para um segundo mandato. Agora não há mais essa aflição. 
Ao contrário, cada dia de seu governo, a partir de janeiro próximo, será um dia a menos. 

Não se trata de ver a vida em cor-de-rosa; todo otimismo, quando se pensa um pouco, é uma forma de impostura, pois faz promessas sem garantia de entrega. 
Mas, no caso, o segundo mandato de Dilma será realmente o último – não é promessa, é o que manda a lei. 

Eis aí uma das vantagens da certeza: acaba com as esperanças, é verdade, mas também acaba com as dúvidas. Desde o último domingo, foi-se a esperança de que Dilma devolvesse já agora a cadeira de presidente. Em compensação, foi-se a dúvida sobre o montante ainda a saldar.
Tudo considerado, a conta provavelmente está de bom tamanho – ou, numa adaptação livre da filosofia política do deputado Tiririca, muito melhor não fica. 

Louvado seja o Senhor por essas pequenas graças. É claro que todo mundo tem o direito de esperar da vida pública bem mais do que uma simples notificação sobre o montante exato dos “restos a pagar”. Mas o que se vai fazer? É o que temos no momento. 

O Brasil, por decisão da metade e mais um pouco dos seus eleitores, foi mantido sob o comando de pessoas moralmente primitivas, que acabam de ser premiadas por levar a atividade política à fronteira do crime – e não têm nenhuma razão, portanto, para mudar de conduta. 

É perfeitamente possível que Dilma, o ex-presidente Lula e o PT tentem impor a partir de agora a ideia de que já houve o “plebiscito” entre o país do bem e o país do mal de que tanto falaram durante a campanha eleitoral. 

O país do bem, que consideram ser o deles, ganhou, e com isso deixa de ser legítimo discordar de suas decisões ou querer um Brasil diferente do seu. Dilma, é verdade, só pode ficar outros quatro anos, mas já está resolvido no comitê central dos vencedores que em 2018 Lula voltará para mais oito, e depois disso talvez nem seja preciso fazer eleição nenhuma. 

Acontece que as coisas não têm de ser obrigatoriamente assim – não enquanto a outra metade dos brasileiros acreditar que continua tendo direitos políticos e civis, e que não está condenada a aceitar esse país do futuro pronto. 

Dilma anunciou que ia “fazer o diabo” para ganhar a eleição. 
Fez e ganhou; pode dar parabéns a si mesma, pois em toda a sua vida pública talvez nunca tenha cumprido com tanto rigor uma promessa. Mas não pode querer que o cidadão de vida limpa se torne cúmplice da fraude que ela própria, seu patrono e seu partido montaram para ganhar a eleição. 

Sua vitória não obriga ninguém a adotar uma moral parecida com a sua. 
Não transforma o errado em certo, nem faz com que seja uma pessoa melhor do que é. 

Também não muda os fatos. O zero de crescimento da economia em 2014 continuou sendo zero depois da contagem final dos votos. As provas de corrupção na Petrobras, já registradas pela máquina judiciária, não podem ser apagadas. 

Eleições servem unicamente para escolher quem vai governar. 
Não resolvem problemas, nem conferem aos ganhadores virtudes que não têm – e obviamente não querem dizer que os perdedores estejam errados, ou devam alguma penitência. 

Dilma, Lula e o PT pregam que os não eleitores de Dilma são “nazistas”, ou um bando de “Herodes” babando para matar o Menino Jesus. Foi a sua obra-prima na campanha – e um demonstrativo perfeito de quantos escrúpulos têm. 
Lula e redondezas inventaram que o adversário era alcoólatra, drogado e vadio. Falsificaram até o dicionário, para colar nele a acusação de “agredir mulheres”. 

Ninguém precisa achar-se um Herodes só porque preferiu votar em Aécio. 
Justamente ao contrário, os 51 milhões de brasileiros que fizeram essa escolha continuam com o direito integral de dormir com a consciência em paz. 

É por aí que o jogo tem de seguir. 

(*) É jornalista, diretor editorial do grupo EXAME e colunista das revistas EXAME e VEJA,

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