domingo, 9 de março de 2014

Racismo

Bellini Tavares de Lima Neto (*) 

“O racismo nunca vai acabar!” É o que está estampado em uma das páginas de um jornal e, segundo a notícia, a frase é de autoria da mãe de um jogador de futebol que acaba de sofrer uma agressão verbal de cunho racista durante uma partida. Será que ela tem razão? Não será um pouco de exagero, justificável até certo ponto uma vez que o ofendido é seu filho? É, pode ser, sim. Afinal, segundo se soube, a tal ofensa nem foi tão grave assim. 
É até comum. Vai ver que foi só uma brincadeira. Ou, então, uma explosão de revolta de um torcedor inflamado que via seu time estar sendo derrotado pelo time do tal atleta e justamente no momento em que a vítima parece ter feito um gol. 

Dia desses eu me peguei pensando em como se sentiria um racista se fosse abandonado, sem boia ou salva-vidas, num lago formado apenas pelas lágrimas de todas as mães e todos os país negros que ouviram insinuações racistas contra seus filhos. E também, pelas lágrimas de crianças que se viram acuadas por terem a pele escura. Ou ainda, por aquelas outras crianças que tentaram desesperadamente se esfregar durante o banho para, quem sabe, conseguir clarear um pouco e diminuir as “brincadeiras” dos outros. Não preciso imaginar muito para enxergar um lago imenso, salgado, porque as lágrimas são salgadas e, possivelmente, de águas revoltas porque essas lágrimas nunca foram de alegria. 

Mas, não foi só nisso que eu me peguei pensando. Também fiquei me perguntando por que isso sobrevive geração após geração, por mais que se veja os resultados dessa intolerância incompreensível. Mas, perguntar a mim mesmo não me leva a resposta alguma. 
O que sei eu? No máximo, tenho frágeis desconfianças. Quantas vezes se ouve, no seio familiar, expressões como “negrice”, “serviço de preto” e outras joias da sabedoria humana? Como você acha, ilustre integrante da raça branca, que isso vai soar nos ouvidos dos filhos, das crianças a quem lhe cabe formar cultural e socialmente? 
Ora, se papai ou mamãe dizem, é porque é verdade absoluta e inquestionável. 

Ainda hoje é costume chamar a segunda-feira de “dia de branco”. Qual será a origem dessa expressão. Existem algumas, umas diferentes das outras. Há quem diga que nasceu com a Marinha porque era o dia em que se envergava uniforme branco. Há outras, também desvinculadas de cunho racista. Mas, a mais conhecida é, exatamente, a que distingue o final de semana do primeiro dia de trabalho da semana, atividade própria da raça branca. E aquela criança que já ouviu falar em “negrice”, em “serviço de preto”? 
Como será que ela vai interpretar a expressão? Será que ela vai pensar nos alvos uniformes dos marinheiros? 

E já que estamos falando sobre carinhosas expressões domésticas, o que acham os machos guardiões da raça masculina que estão ensinando aos seus filhotes varões quando dizem que “isto ou aquilo é coisa de mulherzinha” ou que “homem não chora” e outras preciosidades do gênero? Será que existe algum risco de que essa criança se torne um desses indivíduos que não conseguem olhar as mulheres de outro plano que não seja o superior? 

Perguntar a mim mesmo é um habito que trago comigo desde cedo. Tolice, é claro, porque nunca obtenho resposta definitiva alguma, tolo que sou desde o nascimento e que só fiz evoluir em tolices em geral. Por isso mesmo, não tenho resposta para nada. Ao contrário, só aumento as minhas dúvidas. Será que algumas dessas gracinhas domésticas pode, de alguma maneira, contribuir para que racismo, machismo e outras negações da inteligência humana persistam e resistam ao tempo? 

Não sei. Não sei nada. Só desconfio. Desconfio que a mãe do jogador de futebol esteja certa. Que pena, não?

(*) Advogado, avô, corintiano e morador em São Bernardo (SP)

Um comentário:

  1. Anônimo9/3/14 22:16

    Muito bom o artigo, Bellini. Aliás, concordo com a mãe do jogador que foi ultrajada. O racismo nunca irá acabar. Faz parte da imperfeição humana. (Gentil Gimenez)

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