quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A imprensa, entrando nos trilhos

Luciano Martins Costa (*)  


Quer se informar melhor sobre corrupção em seu estado? Leia um jornal de outro estado. Salvo raras exceções, a imprensa regional costuma ter vínculos com os governantes locais – quando o jornal não pertence a um empresário que também é político, e, eventualmente, se encontra na oposição. 

Na quarta-feira (04/12), por exemplo, comparemos o noticiário dos três principais diários de circulação nacional sobre um tema arrastado como a viagem numa velha “maria-fumaça”: o caso envolvendo obras e serviços do metrô e do sistema de trens metropolitanos de São Paulo. O critério é a suposta objetividade, e a análise exige uma consulta ao histórico das reportagens anteriores sobre o mesmo assunto. 

O carioca O Globo traz duas reportagens sobre o tema. Na primeira, informa que o Ministério Público constatou que existem indícios de cartel em contratos do metrô paulista que ainda não estão sendo investigados pelo Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Isso quer dizer que há novas evidências de que o caso se assemelha cada vez mais a uma política consolidada de relacionamento criminoso entre representantes do estado e as multinacionais fornecedoras de equipamentos e serviços para o sistema de transporte sobre trilhos. 

Na segunda reportagem, o jornal comenta declarações do ministro da Justiça sobre a suspeita de que o Ministério Público Federal em São Paulo atua com negligência na apuração do escândalo. Além de haver engavetado, por no mínimo três anos, pelo menos dez ofícios da Justiça da Suíça com informações fundamentais sobre o caso de corrupção e formação de cartel, o MP ignorou o pedido de colaboração nas investigações realizadas por aquele país. 


A manifestação do ministro ocorreu publicamente, durante depoimento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. 

A nova investigação destacada pelo Globo se refere a contratos para reforma de trens com sinais claros de superfaturamento. Num dos casos, o governo de São Paulo pagou pela restauração de trens velhos muito mais do que o preço pago pelo metrô de Nova York por trens novos. Originalmente, diz o jornal, foram firmados contratos para reformar 98 trens das linhas Azul e Vermelha, por R$ 1,6 bilhão, mas o serviço foi fracionado em seis outros contratos, o que resultou em aumento desse valor para R$ 2,4 bilhões. 

Risco de acidentes 
O detalhe mais impactante da reportagem do Globo se refere ao fato de que, para colocar os trens em funcionamento, funcionários do metrô estão fazendo adaptações apressadas, o que aumenta o risco de desastres. Pelo menos três acidentes ocorridos no último ano podem ter sido causados por aquela prática que os brasileiros chamam de gambiarra. “Num dos casos, um trem andou sozinho e bateu em outro”, diz o Globo. 

Os jornais paulistas também se referem ao pedido de suspensão desses contratos, mas não se interessam pelos detalhes. 

O Estado de S. Paulo traz informação originada na multinacional Siemens reforçando a suspeita de que houve pagamento de propina para obtenção de negócios superfaturados e informa que o Ministério Público recomendou a suspensão de compromissos firmados entre os anos de 2008 e 2011, nas gestões de José Serra e Geraldo Alckmin. Além disso, outro texto diz que o Banco Mundial pediu acesso ao inquérito, para incluir em investigação interna sobre financiamento da entidade aos projetos do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. 

A Folha de S. Paulo noticia que o Tribunal de Justiça negou pedido do governo paulista, que queria mover uma ação exclusivamente contra a Siemens – empresa que tomou a iniciativa de denunciar o cartel. Num quadro abaixo da reportagem principal, o jornal cede às evidências e tasca um título irônico: “Cartel de uma empresa só”. Trata-se de um avanço: até recentemente, os jornais paulistas se referiam ao caso como o “cartel da Siemens”. 

A sequência do noticiário parece uma viagem de trem, na qual a imprensa paulista conduzia o comboio lentamente, sustentando que se tratava de um cartel de uma multinacional perversa interessada em explorar os paulistas. Mas os fatos levam o comboio ladeira abaixo, e já se pode antever o dilema: ou a Folha e o Estado juntam as provas e evidências e admitem finalmente que se trata de um grave escândalo, ou a reputação da imprensa de São Paulo vai descarrilar na curva logo adiante.

(*) Jornalista e escritor

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