Nuno Ramos (*)
O Brasil tinha duas coisas excepcionais: Neymar, um gênio na frente, e uma dupla de zaga absurda, com a maior atuação que já vi, David Luiz e Thiago Silva. Os dois eram como irmãos siameses, e se um sai, o outro cai. O restante, qualquer um via que era fraco.
A seleção brasileira é um time com grandes dificuldades, com um banco ruim.
E esse limite do time — que sempre passou apertado, com a ajuda da torcida, em disputa de pênaltis, sem nenhuma atuação calma — somado à falta de seus dois pontos de apoio (Neymar e a dupla de zagueiros) fez o Brasil jogar de uma forma que eu nunca havia visto. Nem o Santos contra o Barcelona foi assim (o time paulista perdeu de 4 a 0 para o clube espanhol, no Mundial de clubes, em 2011). Repito: nunca vi o Brasil jogar assim.
Apesar do ufanismo e do nacionalismo nefastos, era possível perceber que se tratava de um time com deficiências enormes. Fora isso, há o descontrole emocional — não falo do fato de os jogadores terem chorado, não tenho nada contra chorar. Mas na Copa do Mundo, com time muito bom, muitas vezes não se ganha. Copa do Mundo é algo muito trágico. E havia um discurso em torno da seleção como se fosse uma obrigação ganhar. Não é obrigação nenhuma: a obrigação é negociar jogo a jogo.
O Brasil não está num grande momento futebolístico. Isso acontece, tudo bem, e não é tão ruim quanto esse jogo fez crer. O primeiro gol da Alemanha foi por uma falha amadora do Brasil. O Müller chuta sem ninguém marcá-lo. Dos sete, dois gols foram bonitos, mas os outros eram tabelinhas, parecia futebol de praia. Uma coisa lamentável. Mas houve um descompasso em termos de conhecimento que é imperdoável: esse ufanismo que parece que vem da ditadura, essa falta de autoconhecimento nosso, tudo isso não dá mais.
Qualquer time do mundo sabe o que pode e o que não pode.
O futebol do Brasil está atrasado, assim como as instituições estão, assim como a política está. Jogo no Brasil é como nos anos 1970. Falta na nossa cultura futebolística um pouco mais de autoconsciência, por exemplo, em relação a ver o Brasil como uma escola de posse de bola bonita. O Brasil não joga assim há muito tempo. E é sempre ganhar ou ganhar, como se não houvesse a oportunidade de perder. Há uma relação histérica com o futebol, e nós não nos conhecemos, não discutimos. Fica um pouco na base da vontade, como na ideia ridícula de que “cada jogador vai jogar pelo Neymar”.
Houve, sim, uma sacanagem do azar, e o melhor de nós ficou de fora.
Com Thiago Silva e Neymar o jogo não seria assim. Mas o Brasil precisa tratar melhor de suas dificuldades e lidar com isso de uma forma séria.
Precisamos tomar de sete para entender nossas dificuldades?
Digo que o Brasil precisa ser mais complexo, no sentido de se entender melhor.
Essa falta de autoconsciência é um traço há muito tempo.
Em 2006, foi isso: achamos que a seleção iria arrebentar.
Em 2010, pusemos Dunga, o anti-Parreira, aquele militar dando chibatadas, e o time desabou quando o Julio Cesar falhou. Agora, na falta de suas duas qualidades maiores, o time teria que ser reinventado — para menos.
Mas talvez tudo isso seja importante.
Quando acontece algo desse tamanho, que é com certeza a pior derrota do futebol brasileiro na História, surge espaço para reinvenção. É difícil ver um time apagar tanto. Agora é hora de, nesse apagão, entrar uma informação nova, a de que o Brasil precisa se desvincular de uma certa vaidade.
Aquele complexo de vira-lata de que Nelson Rodrigues falava não existe.
O que temos é um complexo narcísico de que o Brasil precisa se livrar.
(*) Pintor, desenhista, escultor, cenógrafo, ensaísta e videomaker.
O Brasil tinha duas coisas excepcionais: Neymar, um gênio na frente, e uma dupla de zaga absurda, com a maior atuação que já vi, David Luiz e Thiago Silva. Os dois eram como irmãos siameses, e se um sai, o outro cai. O restante, qualquer um via que era fraco.
A seleção brasileira é um time com grandes dificuldades, com um banco ruim.
E esse limite do time — que sempre passou apertado, com a ajuda da torcida, em disputa de pênaltis, sem nenhuma atuação calma — somado à falta de seus dois pontos de apoio (Neymar e a dupla de zagueiros) fez o Brasil jogar de uma forma que eu nunca havia visto. Nem o Santos contra o Barcelona foi assim (o time paulista perdeu de 4 a 0 para o clube espanhol, no Mundial de clubes, em 2011). Repito: nunca vi o Brasil jogar assim.
Apesar do ufanismo e do nacionalismo nefastos, era possível perceber que se tratava de um time com deficiências enormes. Fora isso, há o descontrole emocional — não falo do fato de os jogadores terem chorado, não tenho nada contra chorar. Mas na Copa do Mundo, com time muito bom, muitas vezes não se ganha. Copa do Mundo é algo muito trágico. E havia um discurso em torno da seleção como se fosse uma obrigação ganhar. Não é obrigação nenhuma: a obrigação é negociar jogo a jogo.
O Brasil não está num grande momento futebolístico. Isso acontece, tudo bem, e não é tão ruim quanto esse jogo fez crer. O primeiro gol da Alemanha foi por uma falha amadora do Brasil. O Müller chuta sem ninguém marcá-lo. Dos sete, dois gols foram bonitos, mas os outros eram tabelinhas, parecia futebol de praia. Uma coisa lamentável. Mas houve um descompasso em termos de conhecimento que é imperdoável: esse ufanismo que parece que vem da ditadura, essa falta de autoconhecimento nosso, tudo isso não dá mais.
Qualquer time do mundo sabe o que pode e o que não pode.
O futebol do Brasil está atrasado, assim como as instituições estão, assim como a política está. Jogo no Brasil é como nos anos 1970. Falta na nossa cultura futebolística um pouco mais de autoconsciência, por exemplo, em relação a ver o Brasil como uma escola de posse de bola bonita. O Brasil não joga assim há muito tempo. E é sempre ganhar ou ganhar, como se não houvesse a oportunidade de perder. Há uma relação histérica com o futebol, e nós não nos conhecemos, não discutimos. Fica um pouco na base da vontade, como na ideia ridícula de que “cada jogador vai jogar pelo Neymar”.
Houve, sim, uma sacanagem do azar, e o melhor de nós ficou de fora.
Com Thiago Silva e Neymar o jogo não seria assim. Mas o Brasil precisa tratar melhor de suas dificuldades e lidar com isso de uma forma séria.
Precisamos tomar de sete para entender nossas dificuldades?
Digo que o Brasil precisa ser mais complexo, no sentido de se entender melhor.
Essa falta de autoconsciência é um traço há muito tempo.
Em 2006, foi isso: achamos que a seleção iria arrebentar.
Em 2010, pusemos Dunga, o anti-Parreira, aquele militar dando chibatadas, e o time desabou quando o Julio Cesar falhou. Agora, na falta de suas duas qualidades maiores, o time teria que ser reinventado — para menos.
Mas talvez tudo isso seja importante.
Quando acontece algo desse tamanho, que é com certeza a pior derrota do futebol brasileiro na História, surge espaço para reinvenção. É difícil ver um time apagar tanto. Agora é hora de, nesse apagão, entrar uma informação nova, a de que o Brasil precisa se desvincular de uma certa vaidade.
Aquele complexo de vira-lata de que Nelson Rodrigues falava não existe.
O que temos é um complexo narcísico de que o Brasil precisa se livrar.
(*) Pintor, desenhista, escultor, cenógrafo, ensaísta e videomaker.
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