quinta-feira, 17 de julho de 2014

Teixeira, Marin, a CBF e a necessidade de modernizar o futebol

Franklin Martins (*) 

A terrível eliminação da Seleção na Copa do Mundo reforçou o que há muito se dizia: a organização do futebol brasileiro está ultrapassada e presa ao nome de poucas figuras que revoltam o torcedor faz algumas décadas. Impera na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) um sistema que em nada lembra uma instituição democrática e transparente. 
É preciso mudar. 

Por infindáveis 23 anos, a CBF esteve nas mãos de Ricardo Teixeira, ex-genro de João Havelange, que coordenou por 17 anos a Confederação e por outros 24 a FIFA. 
Depois disso, passou, em 2012, para o comando de José Maria Marin. 
Marin foi deputado estadual pela ARENA e em 1975 proferiu um discurso contra a TV Cultura, que por muitos é visto como um dos desencadeadores da morte de Vladimir Herzog, ex-diretor de telejornalismo da Cultura, encontrado morto 16 dias depois. 
Depois disso, Marin ainda foi governador biônico do estado de São Paulo, em 1982. 
Ah, e bem depois, quando era vice-presidente da CBF, furtou uma medalha na premiação da Copa São Paulo de Futebol Júnior. 

Não é de agora que o futebol brasileiro sofre com a desorganização da CBF. Ricardo Teixeira tinha o hábito de falar da Confederação ou da Seleção como “eu”: 
“Eu tenho 120 milhões em caixa”, ou “Eu tinha que ganhar aquela Copa”, ou “Eu não queria abrir a Copa da Alemanha”, como contou reportagem da Revista Piauí, em 2011. Além disso, defende que nem a população brasileira nem ninguém tem nada a ver com as contas da CBF. 

Teixeira pode até ter razão quando diz que a CBF é uma entidade privada, que não recebe dinheiro público e paga impostos – afinal, quando ele assumiu decidiu abrir mão do dinheiro do Estado. Mas não é bem assim. O estatuto da CBF designa a instituição como uma “associação de direito privado”, com “peculiar autonomia quanto à sua organização e funcionamento, não estando sujeita a ingerência ou interferência estatal”, ok. 
Acontece que a entidade é um tanto atípica. Como afirma o jurista Yves Gandra, “não se trata, a CBF, de entidade civil típica, subordinada que é, em parte, ao Ministério dos Esportes”. E ainda que fosse considerada a mais típica entidade privada, contratos suspeitos podem devem, sim, ser analisados por órgãos competentes. 

Na mesma entrevista, Ricardo Teixeira deu seu recado sobre a Copa: “Em 2014, posso fazer a maldade que for. A maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. 
E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe por quê? Por que eu saio em 2015. E aí, acabou”. No fim das contas, ele acabou saindo antes, em março de 2012. 

Havelange, a Ditadura e Saldanha 
Outra figura importante para entendermos a história da CBF é João Havelange, presidente da Confederação por quase duas décadas. Era 1970 e a histórica Seleção Brasileira, com Carlos Alberto Torres, Tostão e Pelé estava pronta para voar na Copa do Mundo. 
Mesmo assim, o treinador que montou e classificou a Seleção para o torneio, João Saldanha, foi demitido dias antes da estreia. O motivo, segundo ele, foi a pressão que sofria para convocar Dario Maravilha. Pressionado por Médici, João Havelange pedia insistentemente a convocação do jogador atleticano para Saldanha. 
Diz o folclore futebolístico que ele respondeu: “Ele [Médici] escala o ministério, eu convoco a Seleção”. Saldanha foi demitido. Pesava contra ele o fato de ser militante do Partido Comunista Brasileiro. 

CPI da CBF-Nike 
Em 2001 instalou-se a CPI da CBF-Nike, que investigou o contrato entre a Confederação e a Nike, que veio à público após a Copa do Mundo de 1998, quando suspeitou-se – sem que até hoje tenha havido comprovação ou desmentido – que o atacante Ronaldo teria entrado em campo, mesmo doente, para cumprir um contrato publicitário. 

A CPI investigava o contrato, firmado em 1996 e com vigência de 10 anos, por cláusulas “consideradas excessivas em termos de predominância dos interesses da Nike sobre os da CBF, resultando prejudiciais ao futebol brasileiro”. Entre elas, a obrigação de escalar “os oito principais jogadores sob um critério não definido, mas que pode ser o da Nike” e a cessão à Nike do direito de definir os adversários e os locais de 50 jogos amistosos durante dez anos (número reduzido após acordo entre as duas partes). 

Modernizar e organizar o futebol 
Em um quarto de século apenas duas figuras – nada amistosas – comandaram a Confederação que rege o futebol no país do futebol. 
Calendários estapafúrdios, más condições de trabalho aos atletas e uma série de outras demandas levaram os próprios jogadores a reagir e criar o Bom Senso FC. 

Queremos mudar mais. O plano de governo apresentado pelo PT no dia 5 afirma: 
“É urgente modernizar a organização e as relações do futebol, nosso mais popular esporte”. 

(*) É jornalista político. Foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Brasil durante o mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva até dezembro de 2010.

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