Vladimir Safatle (*)
Vou poupar os leitores do exercício ingrato de ler mais um comentário sobre a chamada “inexplicável” derrota brasileira de terça-feira. Cada um tem o “inexplicável” que lhe convém. Para alguns que seguem a impressionante financeirização selvagem e mafiosa do futebol brasileiro, não há nada de inexplicável a desvendar.
No entanto, algo de curioso aconteceu após a referida derrota.
Aparentemente, várias manifestações politicamente informadas começaram a colocar a conta dos problemas na famosa e insuperável “ausência de educação” da sociedade brasileira. Momento particularmente cômico foi ver o jogador Ronaldo fazer uma comparação entre o número exponencial de prêmios Nobel alemães e a nulidade de tais prêmios entre nós.
“Educação” virou há muito uma daquelas causas que parecem tudo explicar. Normalmente, ela aparece na boca daqueles que, no fundo, nunca se preocupam de fato com ela. Gostaria, por exemplo, de perguntar ao senhor Ronaldo quanto ele gastou de sua fortuna na criação de fundações de pesquisa e de artes que poderiam ajudar o País a ter seus feitos científicos e literários reconhecidos. Na verdade, a indignação sobre a ausência de boa educação no Brasil é a maior de todas as falácias de nossa sociedade.
Prova maior disso é a ausência, pura e simples, da educação nos temas de campanhas eleitorais deste ano. Tente se esforçar a fim de lembrar quais foram as propostas efetivas que você ouviu nesses últimos meses a respeito de reformas no sistema educacional brasileiro.
O governo federal aprovou um Plano Nacional de Educação que, afora elevar o porcentual do PIB gasto com educação em 10% até 2024 e transformar 50% das escolas públicas em escolas de tempo integral, é composto, em larga medida, de declarações de intenções e metas quantitativas ligadas basicamente à extensão e matrículas.
No entanto, uma meta de dez anos não engaja um governo que governará apenas quatro. Propostas sobre como dar efetivamente um salto de qualidade no sistema educacional público estão completamente ausentes, a não ser através da exigência de aumentar o número de mestres e doutores nas universidades. Um ponto importante, mas que não tem a força de preencher uma verdadeira política de construção da qualidade (que passaria, por exemplo, pelo comprometimento na construção de laboratórios, bibliotecas, financiamento de formação continuada de professores, assim como discussões curriculares e sobre práticas didáticas).
Por outro lado, não há discussão alguma a respeito do modelo educacional que o Brasil precisa. Essa ausência de capacidade de formulação de política talvez seja quebrada, atualmente, apenas pela proposta de federalização do ensino público, apresentada pelo senador Cristovam Buarque. Uma proposta que mereceria ser discutida, já que toca problemas importantes a respeito da ausência de criação de uma verdadeira carreira do magistério capaz de atrair nossos melhores alunos, reformar a infraestrutura de nossas escolas (cuja grande maioria nem sequer tem bibliotecas), assim como da necessidade de um plano nacional que foque em um currículo mínimo nacional de aplicação obrigatória.
No entanto, o que temos atualmente são universidades problemáticas, como a USP, que agora está em greve por descalabro administrativo, sem que tal situação seja sequer objeto de discussão pública. Quem de fato se preocupa com educação deveria se perguntar sobre o que se passa com o dinheiro de nossa universidade mais importante.
Por outro lado, há dois anos, nossos professores de universidades federais haviam entrado em greve por melhores condições de trabalho e infraestrutura.
O governo tratou a questão com indiferença monárquica, como se nada lhe dissesse respeito.
Mas respostas a tais problemas concretos não serão ouvidas nos próximos meses.
Muito menos veremos interesse efetivo em discutir com professores o real estado da educação nacional e suas possibilidades ou debater sinceramente a razão do fracasso de políticas aplicadas nos últimos 20 anos. O que teremos é essa indignação farsesca, de quem repete um chavão sem nunca querer realmente pensar no que deve ser feito.
(*) Filósofo , escritor e professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP)
Vou poupar os leitores do exercício ingrato de ler mais um comentário sobre a chamada “inexplicável” derrota brasileira de terça-feira. Cada um tem o “inexplicável” que lhe convém. Para alguns que seguem a impressionante financeirização selvagem e mafiosa do futebol brasileiro, não há nada de inexplicável a desvendar.
No entanto, algo de curioso aconteceu após a referida derrota.
Aparentemente, várias manifestações politicamente informadas começaram a colocar a conta dos problemas na famosa e insuperável “ausência de educação” da sociedade brasileira. Momento particularmente cômico foi ver o jogador Ronaldo fazer uma comparação entre o número exponencial de prêmios Nobel alemães e a nulidade de tais prêmios entre nós.
“Educação” virou há muito uma daquelas causas que parecem tudo explicar. Normalmente, ela aparece na boca daqueles que, no fundo, nunca se preocupam de fato com ela. Gostaria, por exemplo, de perguntar ao senhor Ronaldo quanto ele gastou de sua fortuna na criação de fundações de pesquisa e de artes que poderiam ajudar o País a ter seus feitos científicos e literários reconhecidos. Na verdade, a indignação sobre a ausência de boa educação no Brasil é a maior de todas as falácias de nossa sociedade.
Prova maior disso é a ausência, pura e simples, da educação nos temas de campanhas eleitorais deste ano. Tente se esforçar a fim de lembrar quais foram as propostas efetivas que você ouviu nesses últimos meses a respeito de reformas no sistema educacional brasileiro.
O governo federal aprovou um Plano Nacional de Educação que, afora elevar o porcentual do PIB gasto com educação em 10% até 2024 e transformar 50% das escolas públicas em escolas de tempo integral, é composto, em larga medida, de declarações de intenções e metas quantitativas ligadas basicamente à extensão e matrículas.
No entanto, uma meta de dez anos não engaja um governo que governará apenas quatro. Propostas sobre como dar efetivamente um salto de qualidade no sistema educacional público estão completamente ausentes, a não ser através da exigência de aumentar o número de mestres e doutores nas universidades. Um ponto importante, mas que não tem a força de preencher uma verdadeira política de construção da qualidade (que passaria, por exemplo, pelo comprometimento na construção de laboratórios, bibliotecas, financiamento de formação continuada de professores, assim como discussões curriculares e sobre práticas didáticas).
Por outro lado, não há discussão alguma a respeito do modelo educacional que o Brasil precisa. Essa ausência de capacidade de formulação de política talvez seja quebrada, atualmente, apenas pela proposta de federalização do ensino público, apresentada pelo senador Cristovam Buarque. Uma proposta que mereceria ser discutida, já que toca problemas importantes a respeito da ausência de criação de uma verdadeira carreira do magistério capaz de atrair nossos melhores alunos, reformar a infraestrutura de nossas escolas (cuja grande maioria nem sequer tem bibliotecas), assim como da necessidade de um plano nacional que foque em um currículo mínimo nacional de aplicação obrigatória.
No entanto, o que temos atualmente são universidades problemáticas, como a USP, que agora está em greve por descalabro administrativo, sem que tal situação seja sequer objeto de discussão pública. Quem de fato se preocupa com educação deveria se perguntar sobre o que se passa com o dinheiro de nossa universidade mais importante.
Por outro lado, há dois anos, nossos professores de universidades federais haviam entrado em greve por melhores condições de trabalho e infraestrutura.
O governo tratou a questão com indiferença monárquica, como se nada lhe dissesse respeito.
Mas respostas a tais problemas concretos não serão ouvidas nos próximos meses.
Muito menos veremos interesse efetivo em discutir com professores o real estado da educação nacional e suas possibilidades ou debater sinceramente a razão do fracasso de políticas aplicadas nos últimos 20 anos. O que teremos é essa indignação farsesca, de quem repete um chavão sem nunca querer realmente pensar no que deve ser feito.
(*) Filósofo , escritor e professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP)
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