quinta-feira, 3 de maio de 2012

Responda aí, seu Cabral

Ricardo Noblat (*)

No fim da tarde do último domingo, em entrevista ao portal IG, o senador Ricardo Ferraço (ES), um dos representantes do PMDB na CPI do Cachoeira, foi incisivo quanto à necessidade de convocar o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) para ir depor ali:

— Será uma oportunidade para ele se explicar sobre as denúncias de que privilegiou a Delta por ser amigo do Fernando Cavendish. Não faria sentido chamarmos outros governadores acusados de envolvimento na teia da CPI, como o [Marconi] Perillo e o Agnelo [Queiroz], e deixarmos o Cabral de fora só porque pertence ao PMDB ou porque governa o Rio.

Palavras sensatas. Raciocínio lógico. Preocupação com a Justiça.

Cabral é do mesmo partido do senador. Que nem por isso se sente na obrigação de defendê-lo. Numa CPI todos são juízes. E como juízes deveriam se comportar.

Ferraço estava sob o impacto das primeiras fotografias e vídeos divulgados dois dias antes no blog do ex-governador Garotinho que mostram passagens de uma farra milionária de Cabral em Paris na companhia de Cavendish e de secretários de Estado.

Na segunda-feira pela manhã, Ferraço deu o dito pelo não dito. E acusou Garotinho de fazer “disputa política”.
— O Renan me deu liberdade para agir de acordo com minhas convicções. E minha convicção é que não vou ser instrumento de lutas regionais. Pode tirar o Garotinho da chuva! —disse Ferraço.

Renan Calheiros (AL) é o líder do PMDB no Senado, e candidato a presidir o Senado mais uma vez. É razoável presumir que ele – e mais ninguém - tenha enquadrado Ferraço entre a noite do domingo e a manhã da segunda. Foi rápido no gatilho.
Ferraço confessou candidamente que Renan lhe deu liberdade para proceder de acordo com suas convicções. Desde que ele pense igual a Renan, é claro.

A liberdade de Ferraço proceder como pensa é uma outorga de Renan – não é um direito dele. Garotinho faz, sim, “disputa política”, como acusou Ferraço depois de ouvir Renan. A “disputa política” feita por Garotinho é igual à promovida por Renan, Ferraço, Cabral e todos os interessados em conquistar o poder. E em mantê-lo.

O PMDB foi contra a criação da CPI do Cachoeira. Onde já se viu governo criar CPI? E ainda mais um governo tão bem avaliado quanto o da presidente Dilma?
CPI é instrumento da minoria. Que a maioria desativa sempre que pode.

Uma vez que Lula bateu o pé, atropelou Dilma e empurrou a CPI goela abaixo do PT, o PMDB do vice-presidente Michel Temer estava pronto para socorrer o governo diante de eventuais dificuldades. Apresentaria a conta mais tarde.

Celebrava entusiasmado o fato espantoso de nenhum dos seus caciques estar envolvido no mesmo mar de lama que ameaça afogar algumas estrelas de primeira grandeza de outros partidos. Mas aí Garotinho ganhou de presente mais de 80 fotografias e uma dezena de vídeos. E acabou com o entusiasmo do PMDB.

O governo federal está numa sinuca de bico. A faxineira ética, para continuar faturando como faxineira, está impedida de mexer um dedo em defesa de Cavendish, dono da empreiteira com o maior número de obras do Programa de Aceleração do Crescimento.

O naufrágio da Delta, contudo, comprometerá o programa que reelegeu Lula e elegeu Dilma. A Delta tem obras em todos os Estados – e mais no Distrito Federal. Aos governadores não interessa sua desgraça. Pelo contrário.
Cavendish sempre foi amigo de governadores, senadores e deputados. Arraia graúda era com ele. Miúda, não. Generosamente, a Delta jamais se negou a contribuir para campanhas eleitorais, por dentro ou por fora, de qualquer jeito.

Parece improvável a vitória da tese de que apenas os negócios da Delta no Centro-Oeste devem ser examinados com rigor pela CPI. Como se Cavendish nada tivesse a ver com eles. Como se a Delta, somente ali, tivesse apodrecido. Mas nunca se sabe...

Uma CPI não é formada apenas por deputados ou senadores ou todos juntos.

Há um integrante oculto em toda CPI, e ele é sempre o mesmo. E ele é poderoso. Atende pelo nome de opinião pública.
No resto do tempo, a opinião pública não costuma prestar muita atenção nos malfeitos dos políticos– ou de gente ligada a eles. Com uma CPI em funcionamento, e o barulho que ela provoca, a desatenção se reduz.

A CPI tem muitas perguntas a fazer a Cavendish. A Cabral, poucas. Mas não dá para não fazê-las sob pena de a CPI se desmoralizar. Ela começou mal, ontem.

Perguntas para Cabral:
* Quantas viagens oficiais ou particulares fez ao exterior desde que assumiu o governo do Rio? Data, destino, duração, motivo de cada viagem e comprovantes.
* Em quantas dessas viagens Cavendish esteve presente? Por quê?
* Cadê os documentos relativos ao pagamento de cada uma das viagens?
* Quantas vezes voou dentro ou fora do Brasil em jatinhos particulares?
* Quantas dessas viagens foram feitas em jatinhos emprestados por amigos?
* Liste os amigos que lhe emprestaram jatinhos e aponte aqueles que têm negócios com o governo do Rio.

(*) Jornalista e responsável pelo Blog do Noblat do jornal O Globo/RJ 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário