sexta-feira, 29 de maio de 2015

Chance de reforma do futebol mundial

Opinião do O Globo 

O terremoto provocado pela prisão de dirigentes da Fifa em Zurique tem um alcance que vai muito além do viés criminal que está levando o FBI a dissecar as entranhas de um esquema supranacional de corrupção. Por óbvio, é inescapável que os envolvidos nas tenebrosas transações à margem dos gramados paguem, e exemplarmente, por seu atos na esfera judicial. Mas é certo também que o futebol terá de mudar seus paradigmas de gestão em todo o mundo. 

As instituições que gerenciam esse esporte sempre se colocaram à margem dos instrumentos de fiscalização dos Estados nacionais. A operação com origem nos Estados Unidos rompe essa muralha. Todo esse sistema de confederação mundial e federações nacionais, como qualquer outro, não compõe um mundo à parte, acima da lei. 

O desejo é que tudo isso torne o negócio do futebol mais transparente, para o bem do próprio esporte, cuja base são os clubes. E entre eles há ilhas de opulência, como a Europa, e regiões institucionalmente atrasadas, como o Brasil. Deve-se, no entanto, na necessária reforma que a estrutura mundial do futebol terá de passar, evitar fórmulas fáceis de se permitir a ingerência direta do Estado no setor, em qualquer país. A ação da Justiça, promotoria e polícia americanas prova que já existem os instrumentos para corrigir distorções em qualquer esfera da vida privada, e para punir os responsáveis. 

Por administrarem diretamente a Fifa e terem grande influência nessa bilionária estrutura de cartolas, brasileiros estão entre os primeiros atingidos pela operação: José Maria Marin, um dos detidos em Zurique, e J. Hawilla, tendo este entregue US$ 150 milhões para não ser preso. Hawilla é um dos empresários que intermedeiam a venda de direitos de marketing e de transmissão de torneios, elo na cadeia de distribuição de propinas entre cartolas transnacionais. 

Autoridades americanas se referem a mais de 20 anos de crimes financeiros nesse universo Fifa. É inevitável, entre as questões à frente que se abrem com as prisões na Suíça, que sejam revistos acordos, compromissos e negócios que levaram à escolha de Qatar e Rússia como sedes das duas próximas Copas. E, atrás, tudo o que abrange, no Brasil, a gestão de Ricardo Teixeira. A prisão de Marin pode indicar desdobramentos que respinguem na organização do Mundial do ano passado, cujos custos, como é norma no país, ultrapassaram qualquer estimativa. 

No caso brasileiro, especificamente, a devassa coincide com um momento de fortes desentendimentos entre clubes e a CBF. O poder financeiro da entidade pouco ou nada tem contribuído para melhorar a qualidade de um futebol que já ganhou cinco Copas e hoje está em patamar secundário no plano internacional, atrás inclusive de países de menor tradição nesse esporte.

A abertura da caixa preta da Fifa — e, por previsível consequência, de entidades nacionais, a CBF entre elas — se dá, ainda, simultaneamente a uma grande rodada de renegociação de dívidas tributárias dos clubes, uma chance de se melhorar o padrão de gerência no futebol brasileiro. A devassa em curso comprova que muita coisa anda mal nesse universo. Surge uma possibilidade concreta de reforma da estrutura do futebol. 
Não se pode perder a oportunidade.

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