terça-feira, 1 de abril de 2014

O dia da Redentora

Bellini Tavares de Lima Neto (*) 

'Nossos sonhos foram calados', diz Dilma sobre ditadura 

A presidente Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira (31), em cerimônia no Palácio do Planalto, que "o dia de hoje exige que nos lembremos e contemos o que aconteceu", em referência aos 50 anos do golpe militar de 1964. 

De acordo com a presidente, 50 anos atrás o Brasil "deixou de ser um país de instituições ativas, independentes e democráticas e que por 21 anos nossa liberdade e nossos sonhos foram calados, mas que graças ao esforço de todas as lideranças do passado, dos que vivem e dos que morreram, foi possível ultrapassar os 21 anos de ditadura". 

A Ditadura Militar ou Revolução de 31 de março de 1964 ou Golpe Militar (nomes não lhe falam) ainda está por aí, depois de 50 anos, a pedir que apareça um historiador ou grupo de historiadores isentos de compromissos das mais variadas espécies e conte a história verdadeira. Ao ensejo do primeiro meio século do acontecimento, não é surpresa que os atuais senhores do poder fossem utilizar do fato para, mais uma vez, deitarem o mesmo falatório a respeito de sua participação na luta contra o antigo regime. 
E a tônica não muda: lutaram pela redemocratização do país. 

Se um dia aparecer o historiador ou grupo de historiadores descompromissados, certamente haverá de se registrar alguns tópicos importantes. 
O golpe foi perpetrado por militares e civis que, pelas mais variadas razões, não queriam a implantação de um regime comunista no Brasil. Sim, porque era isso, exatamente isso que pretendiam os agitadores profissionais da época, dentre eles a figura bizarra de um Leonel Brizola, cunhado do deposto João Goulart. E, se não tivesse acontecido o golpe? Pode ser que o Brasil tivesse mergulhado no falecido regime comunista, o regime que faliu ao longo dos anos seguintes porque simplesmente nunca funcionou e contraria até a natureza humana. Dessa forma, pode-se concluir que aquele pessoal da época, que, por certo, foi motivado por razões nada publicáveis, acabou atirando no que viu e acertando no que não viu. 

Aí, o cenário se mostrou propício a que uma turminha formada por intelectuais, estudantes, artistas e outros, resolvessem dar margem às suas perspectivas pessoais e se pusessem a lutar contra a ditadura. Foi uma brincadeira perigosa. Afinal, muito diferente de discursar em ambientes acadêmicos, pegar em armas para brigar contra aquela horda de brucutus não era exatamente um joguinho de madrugadas. 
E, o que pretendiam os candidatos a heróis? 
Ora, implantar um regime comunista no Brasil. 
A conversinha sobre redemocratização, liberdades e outros motes de passeata nunca passou exatamente disso: conversinha. 
Ou foi mero acaso que todas as organizações que se formaram na época para enfrentar a ditadura tivessem cunho, nome e táticas comunistas? 

Bem, se puseram nessa aventura, resolveram enfrentar o inimigo e perderam. 
Sim, perderam. Foi só isso, apenas isso, simplesmente isso. Perderam. 
Em 1968, ano do AI-5, tudo recrudesceu. Já em 1969, o ambiente começava a ficar diferente. As universidades pareciam outras no inicio do ano letivo seguinte. 
Uns poucos anos depois de 1968, os guerreiros sumiram. 
Uns morreram tristemente, outros fugiram para o exterior, outros foram cuidar da vida e a luta armada, a luta intelectual, a luta contra a ditadura acabou. 
Os homens de quepe só foram devolver o poder em 1985 e, ainda assim, sob condições: nada de eleições diretas, sem revanchismo, anistia para todo mundo. 
Como, alguns anos antes, os verde-oliva foram relaxando a pressão (o mundo já estava diferente e não havia mais como manter a linha dura), foi então que os heróis voltaram e, quando abriu vaga no palácio, pouco a pouco, conseguiram tomar o poder. 
E um dos refrões da turminha tem sido a luta contra a ditadura, a luta pela redemocratização do pais, a luta pela conquista das liberdades. 

E o povo? 
Ora, o povo nunca fez parte de nada disso, nem do golpe de 64 nem da luta contra o golpe de 64 e nem do que veio depois. O povo continuou vivendo sua vidinha miserável, empobreceu um pouco mais, perdeu o pouco que havia conquistado em matéria de educação, voltou à estaca zero em termos de senso cívico, coisa que começava, embrionariamente, a medrar com o fim da ditadura do Getúlio, outro câncer que assolou esta pobre terrinha. O povo nunca participou de coisa alguma. 
O povo só foi usado por todos os lados. 
O povo não tinha medo dos militares porque os militares não davam praticamente nenhuma atenção ao povo. O povo não incomodava os militares e os militares não incomodavam o povo. O povo perdeu a copa de 66, ganhou a de 70 e depois só foi ver vitória em copa muitos anos depois. Era o que interessava e continua interessando. 

O povo tinha medo, sim, do tumulto que os heróis guerreiros provocavam nas ruas. 
Ônibus incendiados, soldados descendo a borracha na estudantada, bombas de feito moral, isso tudo assustava o povo que não entendia praticamente nada do que estava acontecendo, não sabia o que aqueles filhinhos de papai estavam querendo. 
povo só queria, mesmo, ir e voltar para o sofrido trabalho, quando tinha trabalho, tomar sua cachacinha e, se desse, fazer o churrasquinho no final de semana. 
Ninguém queria saber de movimento armado, pouca gente sabia da história das torturas, nada disso interferiu na vida do povo. Da mesma forma que não interfere hoje, apesar das bolsas-tudo. 

E agora, vem a presidente, que fez parte da turminha dos revoltados, deitar falação sobre liberdade, sobre sonhos, sobre a luta contra a ditadura. 
Ora, minha senhora, esse pessoal lutou, sim, por um curto período e, como tudo não passava de entusiasmo próprio da juventude, levou umas chineladas no traseiro e foi embora. 
Minha cara senhora, é triste informar, mas nem a senhora nem nenhum de seus “companheiros” derrubaram coisa alguma. E, se tivessem derrubado, se tivessem vencido a brincadeira, teriam implantado o regime jurássico que caiu junto com os tijolos do muro de Berlim ou que se tornou motivo de piada com o lunático da Venezuela, o embalsamado de Cuba ou aquela figura caricata do chinesinho de cabelinho em pé obrigando todos a usarem o mesmo modelito. 

Eu não sou historiador. Hoje, quando muito, sou história. 
E vivi tudo aquilo que se passou, tanto quanto os que hoje estão aboletados no poder, gozando do conforto e do prazer que sabem tirar dessa situação. 
Agora, cá entre nós, se fosse possível sentarmos em volta de uma mesa de boteco, só uns poucos, é claro, porque, se não, vira comício, e nos puséssemos a conversar com sinceridade, qual dos senhores teria coragem de dizer que eu estou mentindo? 

(*) Advogado, avô e residente em São  Bernardo do Campo (SP)

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