sábado, 20 de abril de 2013

As peripécias da namorada do poderoso chefão |

Sindicância detecta ‘indícios de enriquecimento ilícito’ de Rose, ex-chefe da Presidência em SP  

Blog do Josias para Folha de São Paulo 

Uma sindicância feita por técnicos a serviço da Casa Civil da Presidência da República esquadrinhou as atividades de Rosemary Noronha no governo. O resultado foi acomodado num relatório de 120 folhas. No seu pedaço mais constrangedor, o documento sugere a “instauração de sindicância patrimonial em desfavor da ex-servidora.” Por quê? Detectaram-se “indícios de enriquecimento ilícito.” A pedido da ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil), a Controladoria-Geral da República abriu-se contra Rose, como a investigada é chamada na intimidade, um processo administrativo. 

Até o ano passado, Rose chefiava o escritório da Presidência em São Paulo. Nomeada sob Lula, com quem mantinha íntimas relações, ela foi mantida na função por Dilma Rousseff. Tornou-se nacionalmente conhecida depois que a Polícia Federal a pilhou na Operação Porto Seguro. Indiciada por formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva, Rose foi alvejada pela investigação da Casa Civil. 

Os técnicos trabalharam por dois meses. Anotaram no relatório final uma recomendação prosaica: os achados deveriam ser mantidos em segredo. Avaliou-se que a divulgação poderia produzir “instabilidade institucional”. Por sorte, sigilo sobre malfeitos não é algo que orne com democracia. E o repórter Robson Bonin trouxe à luz o conteúdo do documento que se pretendia esconder. 

As constatações são de estarrecer. Nada, porém, capaz de abalar os pilares de uma República que resistiu a escândalos como o mensalão. A sindicância logrou reconstituir parte da rotina de Rose no gabinete da Presidência na Avenida Paulista entre 2009 e 2012. Fez isso tomando depoimentos de servidores e perscrutando mensagens eletrônicas, registros de agenda e relações de visitantes. 

A PF já havia revelado que Rose valera-se da intimidade com Lula para influir na nomeação de diretores de agências reguladoras e usufruir do esquema que traficava interesses privados e comercializava pareceres de repartições públicas. Além de favores, Rose recebia dinheiro. A sindicância da Casa Civil adicionou a esse prontuário novas revelações. Afora a suspeita de “enriquecimento ilícito”, empilharam-se no relatório anomalias como as seguintes: 

1. Em suas mensagens eletrônicas, Rose jactava-se de pedir favores ao “PR”, como ela se referia a Lula, o presidente da República de então.

2. Rose era solícita com os superiores e poderosos –uma forma de obter favores e afago$ como cruzeiro marítimo, viagens e um final de semana no resort Costa do Sauípe Golf Spa, no litoral da Bahia. Varejando os e-mails de Rose, os técnicos verificaram que ela usou papéis da Presidência para comprar no Departamento de Vendas VIP da Volkswagen um automóvel Space Fox abaixo do preço da tabela. 

3. Com os subordinados, Rose era grosseira. Em depoimentos, motoristas, secretárias e copeiras desfiaram um rosário de humilhações. Numa passagem, Rose ameaçou de demissão uma secretária. Humilhou-a a tal ponto que a servidora passou mal. Foi socorrida por um bombeiro. Sua pressão arterial explodira. Precisava de um médico. Alguém ousou sugerir a Rose que o carro oficial fosse acionado para levar a secretária ao hospital. 

Abespinhada, a então toda-poderosa da Presidência proibiu o motorista de prestar o socorro. Bombeiro e paciente foram ao hospital de táxi. Depois, Rose proibiu a secretária de lhe dirigir a palavra. Na sequência, mandou-a ao olho da rua. 

4. Rose utilizava um carro oficial como se fosse privado. Às custas do contribuinte, ia ao dentista, ao médico, a restaurantes… Transportava familiares e amigos. Dispunha de motorista. Usava-o como contínuo de luxo. A bordo do veículo da Presidência, o chofer deslizava por São Paulo entregando encomendas, realizando trabalhos bancários e fazendo compras. Também buscava no aeroporto lobistas parceiros de Rose. 

5. Em 2010, Rose foi passear com o marido em Roma. Absteve-se de tomar providências comuns aos turistas mortais –reservar hotel e alugar automóvel, por exemplo. Preferiu dirigir-se ao então embaixador do Brasil na capital italiano, José Viegas. Mercê de sua influência, foi recebida com deferências de chefe de Estado no Palazzo Pamphili, a mais suntuosa instalação diplomática do Brasil no exterior. 

O embaixador Viegas enviou a Rose um convite oficial que a livraria de eventuais dissabores aduaneiros no desembarque. Colocou-lhe à disposição carro e motorista. E hospedou-a na ala residencial da enbaixada. 

Vale a pena ler uma das mensagens enviadas pelo embaixador Viegas a Rose.

Reproduzido no relatório da sindicância, o texto anota: 

Querida Rose, 

Benvenuti! O endereço é Ambasciata del Brasile, Piazza Navona 14, Roma. 

Estou retransmitindo esse e-mail a minhas secretárias, Francesca e Valéria, a quem peço preparar com urgência uma carta-convite para você e seu marido, cujo nome peço enviar a elas nos endereços que aparecem acima, assim como no meu. Mande o número do fax para o envio da carta. Peço também que nos mande os dados da chegada. Vocês ficam no quarto vermelho. Dia 26 faço uma pequena operação no menisco e quando você chegar estarei na cama. Erika fará as honras, mas quero que vocês entrem para que eu a reveja e conheça o seu marido. Buon Viaggio! Auguri! 

O abraço do José Viegas”

Com o auxílio da CGU, a sindicância da Casa Civil verificou que Rose não foi a Roma a trabalho. Concluiu o obvio: ao usufruir das facilidades diplomáticas bancadas pelo contribuinte brasileiro, apropriou-se de coisa pública em benefício particular. Recomendou-se ao Itamaraty a apuração do episódio. 

Ouvido, o embaixador Viegas, que deixou o posto de Roma no ano passado, disse que não lhe cabia “discriminar quem chega com dinheiro público ou privado” à embaixada. Argumento inusitado, muito inusitado, inusitadíssimo. Tomado ao pé da letra, Viegas trataria todo mundo com os mesmos punhos de renda. 

Quaquer brasileiro que lhe batesse à porta teria carta anti-alfândega, carro, comida e os lençois do “quarto vermelho”. A propósito, Viegas jura que o tal dormitório encarnado é um cômodo secundário do palácio do século 17 que serve de sede para a representação diplomática do Brasil em Roma. 

O repórter Thiago Prado informa que Rose anda magoada com seus ex-chegados. Até compreendera que os amigos nada fizessem para impedir a PF de deflagrar a Operação Porto Seguro. Não se conforma, porém, com o fato de a companheira Gleisi ter acomodado os perdigueiros da Casa Civil nos seus calcanhares. Entende menos ainda o processo administrativo que Gleisi encomendou à CGU. 

Foi contra esse pano de fundo envenenado que Rose decidiu mudar de advogados. Trocou os doutores que faziam sua defesa, ligados ao PT, por uma banca de de Porto Alegre: Medina Osório Advogados. Trata-se de um escritório que já prestou serviços ao PSDB federal e a tucanos como a ex-governadora gaúcha Yeda Crusius. 

No processo administrativo que corre na CGU, os novos defensores de Rose planejam arrolar como testemunhas de defesa alguns petistas de mostruário. Por exemplo: Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula e atual ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência; Erenice Guerra, ex-ministra-chefe da Casa Civil e ex-braço-direito de Dilma Rousseff; Beto Vasconcelos, segundo de Gleisi na Casa Civil; e Ricardo Oliveira, ex-vice-presidente do Banco do Brasil. 

É pena que Rose e seus advogados não tenham incluído Lula no rol de testemunhas. Desde que sua ex-faz-tudo foi pendurada de ponta-cabeça nas manchetes, Lula não disse palavra sobre o caso. Num depoimento formal talvez se animasse a explicar por que permitiu que a ex-subordinada transformasse intimidade num tipo de poder que avilta o serviço público. 


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