quinta-feira, 27 de maio de 2010

Como sempre neste país

Eliane Cantanhêde (*)

Num país como o Brasil, em que tudo é festa e o futebol é a verdadeira paixão nacional, a Copa do Mundo e a política embolam e sempre há como o presidente do momento tirar a sua casquinha. Isso vem de longe.
É claro que com Lula não seria diferente. Logo ele, que é corintiano roxo, adora jogar uma pelada e faz política 24 horas por dia, metade do tempo recorrendo a metáforas futebolísticas. É por isso que a seleção de Dunga faz uma escala técnica hoje (26/05) em Brasília, antes de seguir para a África do Sul, e aproveita para dar uma passadinha no Palácio da Alvorada e tirar montes de fotos com Lula. Em casa.

Para o técnico e seus craques, nunca é demais confraternizar com um presidente com 76% de popularidade, conforme o Datafolha, e que ficou com os louros de trazer a Copa para o Brasil em 2014. E, para Lula, sempre é uma oportunidade a mais (ele não perde uma!) de capitalizar politicamente. Ainda mais num ano de eleição.
O ritual de presidentes com seleções se repetem de quatro em quatro anos, desde 1958, e o risco é quando eles tentam converter o poder político em ingerência no time. Treinadores e craques acatam nas ditaduras, mas, nas democracias, sempre podem dar o troco. Foi a diferença entre o governo Médici e os dos democratas Fernando Henrique e Lula.

Em 1958, Juscelino Kubitschek, o presidente que gostava de sorrir, de dançar e de cantar, recebeu Pelé ainda no Palácio do Catete, no Rio, depois do primeiro título mundial, na Suécia. Em 1962, já em Brasília, João Goulart repetiu a cena depois da conquista do bi, no Chile. E virou praxe.
Os presidentes generais eram diferentes em tudo de JK e de Jango, mas na hora do futebol eram todos brasileiros. E tinham o olho nos votos. Em 1966, o caladão marechal Castello Branco recebeu a seleção, depois eliminada na Inglaterra. Em 1970, o general Emílio Médici capitalizou politicamente cada gol, cada momento, cada milímetro da taça do tri conquistado no México.
Vem daí o hino "Pra Frente Brasil", que embalou as campanhas da Arena, partido da ditadura: "Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração. Todos juntos vamos, pra frente Brasil, salve a seleção!". Eram tempos de torturas nos porões, crescimento econômico e intensa propaganda do regime.
Então prefeito de São Paulo, o atual deputado Paulo Maluf (PP) pegou carona na festa e presenteou a seleção com 25 "fuscas", sucesso na época. Teve seus quinze minutos de glória e muitos e muitos anos de processo na Justiça.

Fernando Collor jogou uma "pelada" com a seleção antes da Copa da Itália, em 1990, mas deu azar. O Brasil foi eliminado nas quartas de final -- e pela Argentina! Mas seu sucessor, Itamar Franco, confirmou que era e continua sendo um homem de sorte, o típico pé quente: quatro anos depois, comemorou o tetra de 1994, nos EUA.
Nem tudo é festa, porém. Médici, fanático por futebol e por autoritarismo, "escalou" Dario em 1970. Quem era Zagalo para contestar? Mas, quando o tucano Fernando Henrique e Lula tentaram dar palpites, técnicos e craques não deram a menor bola. E ainda revidaram.
FHC defendeu abertamente a convocação de Romário em 2002. Resultado, levou um "chega pra lá" de Rivaldo, ao estilo de "não se meta". Com o penta, veio a paz. "Você ainda está puto comigo?" cochichou FHC no ouvido de Rivaldo no oba-oba do Planalto. "Que é isso, presidente?", respondeu o jogador. Os dois se abraçaram, enquanto isso, Vampeta virava uma cambalhota na rampa do palácio e deliciava os fotógrafos.

Em 2006, foi Lula quem se meteu onde não devia, ao perguntar ao então técnico Parreira se Ronaldo estava "gordo". O craque não se intimidou. Com aquela cara bonachona de sempre, e sem alterar em nada a voz, respondeu que jamais diria que "o presidente bebe pra caramba". Mas, título que é bom, nada.

Serão dois Lulas hoje com o time de Dunga: o Lula que adora futebol e o Lula que só pensa naquilo: eleger Dilma Rousseff. A vitória em 2006 teria sido até legal, vá lá, mas ele nunca torceu tanto para uma taça na Copa como neste 2010.

(*) É colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento.

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