quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Tudo farinha do mesmo saco

Senado pós-crise vive sob uma anormal normalidade

O silêncio estrepitoso que se seguiu ao sepultamento da crise Sarney deu aos senadores uma aparência de distinta indistinção.
Ficou estabelecido que os imorais e os moralistas estão sempre sujeitos às mesmas imoralidades. Assim, melhor e mais conveniente calar do que gritar.

Nesta terça (15), as cenas captadas no plenário não deixaram margem às duvidas: o Senado voltou ao normal.
Sob atmosfera de calmaria, Arthur Virgílio encontrou tempo para limpar as caspas que tingiam as ombreiras dos paletós de Eduardo Suplicy e Aloizio Mercadante.

A certa altura, Mercadante, como que rendido à era da governabilidade, trocou um dedo de prosa com Fernando Collor.
Renan Calheiros achegou-se à bancada. Não se sabe sobre o quê conversou a trinca. Mas, a julgar pelos risos, era coisa fácil de engolir e digerir.
Para não dizer que não falou de espinhos, Arthur Virgílio levou, por um instante, os lábios ao trombone.

Escalou a tribuna para cobrar explicações de Renan acerca de uma notícia incômoda. Dizia respeito a um ex-auxiliar do rival pemedebê.
Um funcionário que fizera um curso na Austrália, em 2005, às expensas do Senado. Anomalia análoga à que Renan assacara contra Virgílio.
“Em nenhum momento eu tergiversei ou menti”, disse Virgílio. “Muito pelo contrário, eu admiti meu erro quando liberei meu funcionário para estudar fora...” “...Depois disso, solicitei ao diretor-geral do Senado os cálculos do que devia e restitui os valores aos cofres públicos...”
“...Por isso, surpreendeu-me a notícia de que um funcionário do gabinete do senador Renan tenha ficado na Austrália, de dezembro a março de 2005, para estudar inglês, recebendo salário pelo Senado”.

Coadjuvando Virgílio, Papaleo Paes, um tucano que é mais Sarney do que o próprio Sarney, cuidou de afastar dos ombros de Mercadante as derradeiras escamas.
Num ambiente em que o tempo passado não dá futuro, é preciso, por vezes, matar o tempo. Nem que seja dialogando com a desafeição.E Renan: “Eu não tenho nada a responder sobre essa questão, nada, absolutamente nada [...]. Nada, não tratou absolutamente nada disso comigo, nem seria o caso...”
“...Não compete a nenhum senador tratar aqui de frequência de servidor. Eu nunca cuidei disso e nunca vou cuidar...”
“...Não quero aqui delongar uma discussão que ninguém mais aguenta nesta Casa”.

De fato, a Casa parece não aguentar mais essa “discussão”. Tanto que, sem mais delongas, passou à pauta do dia.
Antes do início da votação da lei eleitoral, Tião Viana (PT-AC) também foi à tribuna. Discorreu sobre os bichos de peçonha –serpentes e escorpiões, por exemplo.
Nada a ver com o veneno que escorria ao redor. Referia-se a um projeto de sua autoria. Aprovado no Senado, empacou na Câmara.
Prevê a produção de soro antiofídico para socorrer os brasileiros expostos a picadas, sobretudo os amazônidas. Um Sarney solícito comprometeu-se a pedir pressa.

Há um mês, o Senado estava sempre à beira da guerra. Hoje, imerso em anormal normalidade, prefere a beira do precipício.
Os senadores provam: os Parlamentos também cometem suicídio. Picam-se a si mesmos, inoculando nas veias do sistema representativo um veneno contra o qual o soro do projeto de Tião não surte efeito

Escrito por Josias de Souza para Folha

Um comentário:

  1. E qual é a finalidade em estender a crise? O clima no Senado tem que ficar tranquilo para que os senadores cumpram suas agendas e retomem a votação de temas importantes. O diálogo é essencial para uma democracia, parabéns para Collor e Mercadante que deram o exemplo.

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