Miguel Reale Júnior (*)
Termina 2013, ano em que as ruas falaram mais alto que as autoridades. Poucas respostas foram dadas às urgências reclamadas pelos brasileiros.
Das reivindicações das ruas, o cancelamento do aumento da tarifa de ônibus foi compensado pela elevação vertiginosa do IPTU, que a população em geral vai pagar, pois o comércio e a indústria repassarão o acréscimo de imposto ao preço dos produtos postos à venda.
A proposta de reforma política foi um fiasco, desde a ideia de convocação de Constituinte até a indicação de realização de plebiscito. Furos n'água. Há 20 dias o Congresso aprovou minirreforma eleitoral a vigorar apenas nas eleições de 2016, porque as regras eleitorais só podem ser alteradas até um ano antes do pleito. Assim, não passa de mais um faz de conta.
Além do mais, a lei aprovada modifica detalhes que em nada alteram a estrutura do sistema eleitoral. Pode-se, a título de exemplo, lembrar a introdução de disciplina acerca da comprovação de gastos com passagens aéreas por partido político, a serem certificados, tão só, por fatura ou duplicata emitida pela agência de viagem. Em outra disposição, proíbe-se o uso de cavaletes com propaganda em vias públicas e a pintura de muros de imóveis. Modifica-se também o artigo 26 da lei regulamentadora das eleições para estabelecer limites a gastos com alimentação do pessoal prestador de serviços eleitorais, bem como a aluguel de veículos automotores.
Como se vê, as inovações legislativas em nada refletem a necessária reforma do sistema eleitoral e partidário, tão reclamada. Dentre as mudanças, cabe buscar as menos irrelevantes.
Questão polêmica diz respeito às pesquisas durante a campanha eleitoral, que restam proibidas nesse período, para se evitar presumido sugestionamento do eleitor em prol do favorito ou contra eventual perdedor, decretando-se o infantilismo do eleitorado, que deve remanescer ignorando as preferências. Mas, a meu ver, é inconstitucional essa norma ao vedar a publicação de pesquisa expressiva de manifestação de pensamento da sociedade.
De outra parte, reputa-se não constituir campanha eleitoral antecipada a comunicação e a posição pessoal sobre questões políticas nas redes sociais, cuja força é inconteste nos dias de hoje, com o que se libera a todo e qualquer tempo a campanha eleitoral. Proíbe-se pesquisa no período eleitoral, mas permite-se manifestação pelo Twitter ou pelo Facebook a partir da publicação da lei até o dia das eleições: contradição não falta ao legislador.
Considera-se propaganda eleitoral antecipada a convocação de rede de radiodifusão pelos presidentes da República, do Senado, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, "para a divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições". Essa proibição, sem dúvida, é saudável, mas há manifesto equívoco, pois não se trata apenas de propaganda eleitoral antecipada, mas de grave abuso do poder político, a ser sancionado mais seriamente do que com mera imposição de multa, aliás, não claramente sequer prevista nessa hipótese pela lei. E se proibida a convocação de rede de radiodifusão em período pré-eleitoral para divulgação de fatos com caráter de propaganda, estaria assim autorizado que se o fizesse no período eleitoral?
Por fim, limita-se o número de cabos eleitorais, conforme a natureza da candidatura, a prefeito ou a presidente da República, e de acordo com o número de eleitores do município, devendo-se registrar nominalmente as pessoas contratadas, com indicação de seu CPF. Essa é mais uma tentativa de disfarce, pois os principais cabos eleitorais jamais vão constar de qualquer relação: são contratados, por candidatos a deputado, senador ou governador, os prefeitos, vereadores ou candidatos a prefeito derrotados, que jamais vão concordar em constar da relação dos assalariados temporários, formando-se, então, a contingência de se criar indevido caixa 2.
Como se vê, as mudanças, que vão vigorar, recorde-se, apenas em 2016, são de menor monta, irrelevantes para mudar a forma de realizar, com maior proximidade entre eleitor e candidato, o processo de escolha para o Legislativo e com transparência o controle visando a evitar a corrupção eleitoral. Verifica-se, então, outro faz de conta.
O regime prisional semiaberto virou mais um faz de conta. Participei da Comissão Elaboradora do Projeto de Lei de Execução Penal e da Parte Geral do Código Penal e posso afirmar que este código, ao admitir o trabalho externo no semiaberto, deixou à Lei de Execução disciplinar a matéria, segundo a qual, só passado um sexto da pena seria possível o trabalho externo, quando já aplicável o regime aberto. O STJ entendeu não caber tal restrição, confundindo semiaberto e prisão albergue. Deve-se, então, para não fazer do semiaberto um absoluto faz de conta, cumprir o disposto no artigo 124 da Lei de Execução, segundo o qual o trabalho externo é permitido por sete dias, podendo a autorização ser renovada após 45 dias de reclusão. Do contrário fragiliza-se a resposta penal.
Para completar o reino do faz de conta, o PT apresentou texto-base do seu 5.º Congresso Nacional, no qual culpa o presidencialismo de coalizão como responsável pela corrupção, como se seus dirigentes, ora na prisão, tivessem apenas sido vítimas do sistema. Com a desculpa quer empunhar de novo a bandeira da ética, que, como ressaltei em debate com então secretário-geral do partido em 1985, fazia do PT a UDN de macacão, ao se arvorar em dono da moral pública. Dono que a vendeu a alguns "picaretas" no triste episódio do mensalão. Hoje na Papuda, farsantes presos políticos transformaram-se também em vítimas do sistema presidencialista que aprovaram na Constituinte. O País vive uma tragicomédia.
(*) Advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça.
Termina 2013, ano em que as ruas falaram mais alto que as autoridades. Poucas respostas foram dadas às urgências reclamadas pelos brasileiros.
Das reivindicações das ruas, o cancelamento do aumento da tarifa de ônibus foi compensado pela elevação vertiginosa do IPTU, que a população em geral vai pagar, pois o comércio e a indústria repassarão o acréscimo de imposto ao preço dos produtos postos à venda.
A proposta de reforma política foi um fiasco, desde a ideia de convocação de Constituinte até a indicação de realização de plebiscito. Furos n'água. Há 20 dias o Congresso aprovou minirreforma eleitoral a vigorar apenas nas eleições de 2016, porque as regras eleitorais só podem ser alteradas até um ano antes do pleito. Assim, não passa de mais um faz de conta.
Além do mais, a lei aprovada modifica detalhes que em nada alteram a estrutura do sistema eleitoral. Pode-se, a título de exemplo, lembrar a introdução de disciplina acerca da comprovação de gastos com passagens aéreas por partido político, a serem certificados, tão só, por fatura ou duplicata emitida pela agência de viagem. Em outra disposição, proíbe-se o uso de cavaletes com propaganda em vias públicas e a pintura de muros de imóveis. Modifica-se também o artigo 26 da lei regulamentadora das eleições para estabelecer limites a gastos com alimentação do pessoal prestador de serviços eleitorais, bem como a aluguel de veículos automotores.
Como se vê, as inovações legislativas em nada refletem a necessária reforma do sistema eleitoral e partidário, tão reclamada. Dentre as mudanças, cabe buscar as menos irrelevantes.
Questão polêmica diz respeito às pesquisas durante a campanha eleitoral, que restam proibidas nesse período, para se evitar presumido sugestionamento do eleitor em prol do favorito ou contra eventual perdedor, decretando-se o infantilismo do eleitorado, que deve remanescer ignorando as preferências. Mas, a meu ver, é inconstitucional essa norma ao vedar a publicação de pesquisa expressiva de manifestação de pensamento da sociedade.
De outra parte, reputa-se não constituir campanha eleitoral antecipada a comunicação e a posição pessoal sobre questões políticas nas redes sociais, cuja força é inconteste nos dias de hoje, com o que se libera a todo e qualquer tempo a campanha eleitoral. Proíbe-se pesquisa no período eleitoral, mas permite-se manifestação pelo Twitter ou pelo Facebook a partir da publicação da lei até o dia das eleições: contradição não falta ao legislador.
Considera-se propaganda eleitoral antecipada a convocação de rede de radiodifusão pelos presidentes da República, do Senado, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, "para a divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições". Essa proibição, sem dúvida, é saudável, mas há manifesto equívoco, pois não se trata apenas de propaganda eleitoral antecipada, mas de grave abuso do poder político, a ser sancionado mais seriamente do que com mera imposição de multa, aliás, não claramente sequer prevista nessa hipótese pela lei. E se proibida a convocação de rede de radiodifusão em período pré-eleitoral para divulgação de fatos com caráter de propaganda, estaria assim autorizado que se o fizesse no período eleitoral?
Por fim, limita-se o número de cabos eleitorais, conforme a natureza da candidatura, a prefeito ou a presidente da República, e de acordo com o número de eleitores do município, devendo-se registrar nominalmente as pessoas contratadas, com indicação de seu CPF. Essa é mais uma tentativa de disfarce, pois os principais cabos eleitorais jamais vão constar de qualquer relação: são contratados, por candidatos a deputado, senador ou governador, os prefeitos, vereadores ou candidatos a prefeito derrotados, que jamais vão concordar em constar da relação dos assalariados temporários, formando-se, então, a contingência de se criar indevido caixa 2.
Como se vê, as mudanças, que vão vigorar, recorde-se, apenas em 2016, são de menor monta, irrelevantes para mudar a forma de realizar, com maior proximidade entre eleitor e candidato, o processo de escolha para o Legislativo e com transparência o controle visando a evitar a corrupção eleitoral. Verifica-se, então, outro faz de conta.
O regime prisional semiaberto virou mais um faz de conta. Participei da Comissão Elaboradora do Projeto de Lei de Execução Penal e da Parte Geral do Código Penal e posso afirmar que este código, ao admitir o trabalho externo no semiaberto, deixou à Lei de Execução disciplinar a matéria, segundo a qual, só passado um sexto da pena seria possível o trabalho externo, quando já aplicável o regime aberto. O STJ entendeu não caber tal restrição, confundindo semiaberto e prisão albergue. Deve-se, então, para não fazer do semiaberto um absoluto faz de conta, cumprir o disposto no artigo 124 da Lei de Execução, segundo o qual o trabalho externo é permitido por sete dias, podendo a autorização ser renovada após 45 dias de reclusão. Do contrário fragiliza-se a resposta penal.
Para completar o reino do faz de conta, o PT apresentou texto-base do seu 5.º Congresso Nacional, no qual culpa o presidencialismo de coalizão como responsável pela corrupção, como se seus dirigentes, ora na prisão, tivessem apenas sido vítimas do sistema. Com a desculpa quer empunhar de novo a bandeira da ética, que, como ressaltei em debate com então secretário-geral do partido em 1985, fazia do PT a UDN de macacão, ao se arvorar em dono da moral pública. Dono que a vendeu a alguns "picaretas" no triste episódio do mensalão. Hoje na Papuda, farsantes presos políticos transformaram-se também em vítimas do sistema presidencialista que aprovaram na Constituinte. O País vive uma tragicomédia.
(*) Advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça.
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