terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ainda sobre laranjas


Rui Daher (*)


Não, não as do cartel ou do vândalo tratorzinho. Melhor seria dizer "laranjas". Para o Aurélio, "pessoa que serve de intermediária em transações financeiras fraudulentas, usando o próprio nome para ocultar a identidade de quem a contrata".
No Brasil, não duvidaria de estatística que mostrasse os valores de suas produção e exportação acima dos obtidos com o "fruto redondo e sumarento da laranjeira, de intenso amarelo (...)", ainda conforme o dicionário, que sempre deve ser consultado para não causar injustiças.

Proliferam mais do que tiririca em gramado mal cuidado, pois não requerem manejos e tratos culturais caros, como adubação, combate a pragas ou doenças, e podas. A colheita e o transporte - dor de cabeça no caso dos sumarentos frutos - para eles não é difícil. Basta um clique e lá se vão vultosos valores por meio eletrônico.
Concordo que há tontos que ainda não sabem chegar aos paraísos fiscais e usam cuecas para o transporte. Caminham para a extinção.
Pois bem, o fato é que estão plantando laranjas na Amazônia.
Superados os inexoráveis tapetões ruralistas e narizes torcidos ambientalistas, o programa Terra Legal foi transformado em lei, pela Presidência, em junho deste ano. Trata-se de legalizar 67,4 milhões de hectares de terras públicas na Amazônia Legal, regulamentação fundiária há muito reclamada e que deverá beneficiar cerca de 300 mil pequenos e médios proprietários, hoje, na condição de posseiros.

Conforme o tamanho da área define-se a forma de cessão das terras. Até 100 hectares não se paga nada. Já a área máxima concedida - 1.500 hectares - é vendida a preço de mercado e prazo de 20 anos.
Há imposições: os beneficiários pequenos e médios só poderão revender suas áreas após 10 e 3 anos, respectivamente, e nunca para estrangeiros ou proprietários de áreas rurais que, somadas, ultrapassem 1.500 ha. No plano ambiental, entre outros, há o compromisso de manter ou recuperar áreas de proteção.
Tudo parecia caminhar para um final feliz até que sinais de inquietação surgiram no horizonte. É de se pensar: tão jovem e já há quem insista em desencaminhá-lo.

Segundo relatório conjunto da Agência Brasileira de Inteligência, Polícia Federal e Ministério do Desenvolvimento Agrário, fazendeiros e políticos locais, além de não colaborarem para facilitar o acesso dos colonos aos postos de cadastramento, divulgam informações erradas que impedem a celeridade do processo.
E aí entra a curiosa incorporação da "citricultura" às atividades da região.
Jovens alegando falsas heranças, mulheres que se apresentam como supostas esposas, empregados que "ganham" lotes de seus patrões, tudo com o intuito de desmembrar fazendas com área superior aos 1.500 ha e legalizá-las em separado. O negócio é tão atraente que é possível encontrar portais imobiliários na internet que oferecem terras públicas na Amazônia Legal para venda.
Diante desses abusos, foi instalada uma Ouvidoria para receber denúncias anônimas.

Foi assim que se ficou sabendo que, em Paragominas (PA), o dono da oficina Rei da Solda comprou 16 lotes de posseiros e pretende regularizá-los. A Ouvidoria respondeu que é melhor o rei da solda continuar soldando e nem se dar o trabalho de lá comparecer.
Outra: "(...) Zé da Rede tem dois lotes no assentamento Esperança IV, em Castelo dos Sonhos (PA). É garimpeiro, matou o Ligeirinho, nunca foi agricultor". A Ouvidoria, que não é boba nem nada, encaminhou a denúncia para bem longe.
Só faltou dizer que, como é frequente em repartições públicas, ninguém ali era ligeirinho.


(*) É administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola
Fale com Rui Daher: rui_daher@terra.com.br
Publicado no Terra Magazine

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