Entrevista com Paulo André, um dos líderes do Bom Senso FC, e atualmente jogando na China, respondeu por escrito às perguntas do repórter Cosme Rimoli :
Cosme Rímoli (*)
P- Você era o grande líder do Bom Senso no país. Quem melhor se expressava. Teve proposta para ir jogar na Itália, não foi. Depois acerta com a China, logo depois da invasão de vândalos no Corinthians. Tudo ficou solto e parecendo represália sua pela maneira com que o futebol é conduzido no seu ex-clube, no Brasil…
R- Eu já havia recebido duas ofertas da Europa e estava pesando os prós e os contras desde dezembro. A paixão pelo Corinthians, a minha história no clube, a qualidade de vida que eu tinha em São Paulo e a luta pelo Bom Senso me faziam ter a certeza de que não seria 50 mil a mais ou 50 mil a menos que me fariam largar tudo e ir embora para outro país. No dia 10 de janeiro entrei na sala do Mano Menezes e expus com transparência o que estava acontecendo. Eu estava com 30 anos, havia tido lesões sérias ao longo da minha carreira e eu precisava de uma posição dele e do clube quanto a prorrogação do meu contrato. Deixei claro que eu não estava ali para pedir aumento. Eu queria estender o contrato para ter estabilidade já que os italianos me ofereciam dois anos e meio de contrato e no Corinthians eu tinha apenas mais onze meses. A renovação ou a saída representavam, provavelmente, meu “último bom contrato” e como eu havia terminado 2013 muito bem, era a hora de fazer isso. Edu Gaspar recebeu meu empresário e pediu uma semana para dar uma resposta. Por confiar demais, esperei até o dia 31 de janeiro, a janela de transferências para a Europa se fechou e consequentemente acabei perdendo o negócio. Então quando surgiu a proposta da China, estava muito claro para mim o que eu deveria fazer. Fui ao clube e pedi para ser liberado. O pior cego é aquele que não ver ver. Simples assim.
P- Que sentimento domina a sua alma ao saber que só três pessoas foram detidas entre as quase 200 que invadiram o CT do Corinthians? E elas acabam de ser liberadas, com o juiz garantindo que elas só queriam mostrar seu amor ao clube?
R- Sinceramente… É a porra do Brasil, como diria Renato Russo. A declaração do juiz foi desastrosa, ele não tem ideia do que passamos naquele fatídico dia. Ele está incentivando novas ações como essa. É uma vergonha. A impunidade é o grande mal do nosso país. Essa semana o presidente do Comercial de Ribeirão Preto deu entrevista dizendo que não pagaria seus atletas, seu segurança ameaçou os jogadores com uma arma e nada vai acontecer. Precisa de mais alguma confissão para o cara ser banido do futebol? E ainda veremos mais 3 ou 4 casos de ameaças e agressão a atletas de futebol no Brasil esse ano. Pode escrever. Até o dia em que alguém morrer. Daí aparece um promotor/justiceiro para cuidar do caso. O Brasil é o país do deixa para depois que a gente resolve. Lembre-se de uma coisa: todos os anos quatro times cairão, outros tantos irão jogar muito abaixo das expectativas e apenas um será campeão. Só não assino um papel em branco com essa informação porque quem organiza o campeonato é a CBF e nunca se sabe quantos clubes cairão de verdade.
P- Por que os treinadores de grandes times e mesmo o Felipão não aderem ao calendário apresentado pelo Bom Senso?
R- Os treinadores de grandes times aderiram ao Bom Senso. Inclusive participaram do vídeo que o movimento produziu no inicio do ano. Muricy Ramalho, Gilson Kleina, Oswaldo de Oliveira, Vagner Mancini, Renato Gaúcho, Tite e muitos outros apoiaram o movimento publicamente. E agora temos o apoio da Federação dos Treinadores e da Associação dos Executivos de futebol. Ou seja, não é possível que esse tripé que vivencia diariamente o futebol esteja falando besteira e apoiando o lado errado. Eles, historicamente, nunca entraram nesse tipo de discussão e sabemos que não entrariam se não tivessem certeza do que estão defendendo. Mas CBF e as Federações não dão a mínima para isso.
P- Na proposta apresentada pelo Bom Senso, com até Série E, haverá milhares de jogos entre equipes muito pequenas. Mas que não despertam o menor interesse. Com estádios vazios, como os clubes pagarão esses 12 mil jogadores?
R- Cosme, o Bom Senso está preparando essa resposta para dar de forma oficial. Então não vou adiantar nada aqui, tudo bem? No começo muita gente considerava o BS um movimento elitista. Mas os clubes grandes não são os grandes massacrados no calendário brasileiro nas últimas décadas? Todos os clubes tem sido massacrados. Uns porque jogam demais e outros porque jogam de menos. Só algumas poucas pessoas continuam ganhando com esse caos ao longo de todo esse tempo. O que não entendo é porque os clubes tem tanto medo de retaliação. Parece que estão se posicionando contra a máfia nos seus tempos áureos. Quando os clubes entenderem que vendem o mesmo produto e que são aliados fora de campo, veremos uma luz no fim do túnel. Não há Grêmio sem Inter ou Inter sem Grêmio. Não há Atlético sem Coritiba ou Coritiba sem Atlético. E assim por diante…
P-Há como fazer um calendário decente sem afetar o desejo da televisão? Seja a Globo ou quem for a dona dos direitos de transmissão não irá pensar primeiro na sua grade de programação?
R- Mas essa é uma questão clara. A Globo está no negócio para ganhar dinheiro. Ela não quer saber se os jogadores recebem em dia, se a qualidade está boa ou poderia ser melhorada, muito menos se os estádios estão cheios. E o pior é que ela está no direito dela. Quanto mais endividados e dependentes forem os clubes, menos ela pagará pelo campeonato e mais mandará em tudo. O que eu não entendo é a CBF não se preocupar com tudo que envolve o futebol brasileiro. Desde a qualidade dos gramados, a iluminação dos estádios, as instalações da imprensa, a segurança dos torcedores, o horário de jogos, a super dependência de seus filiados aos direitos de transmissão da TV, o adiantamento descabido desses direitos, a falta do pagamento aos atletas, a falta de pagamento dos impostos ao governo, a capacitação de gestores e treinadores que ditarão os rumos do nosso futebol, a formação de novos atletas à moda brasileira, etc… Ela diz não ter nada a ver com tudo isso. Tem que ficar claro que a CBF tem uma responsabilidade gerencial e social sobre o futebol que é estatutária, ela não pode se fazer de simples intermediária e se isentar de mexer nas feridas ou de desenvolver soluções para os nossos problemas.
Até porque o resultado de tudo isso é o afastamento de pessoas e empresas sérias do meio do futebol e a desvalorização do produto final que é razão da existência da própria entidade. Mas como a Seleção vai bem, e vende patrocínio a torto e a direito, que se danem os outros. Quanto ao calendário, não existe um ideal mas há muitos que são melhores do que o atual e dá pra trabalhar com a TV num modelo ganha-ganha. Basta vontade política para tal.
P- Adequar o calendário brasileiro ao europeu não seria muito melhor aos clubes grandes? R- Sem dúvida nenhuma. Essa é uma opinião pessoal minha. Para fortalecer o futebol brasileiro, aumentar o intercambio de experiencias e a visibilidade dos nossos clubes lá fora, é necessário adequar o nosso calendário. O primeiro problema é que mexer nesse vespeiro é ir diretamente para o choque com a TV GLOBO. O Marcelo Campos Pinto diz que dezembro e janeiro a audiência do futebol é muito baixa e isso ocasionaria uma redução das cotas dos anunciantes. Consequentemente o direito de transmissão pago aos clubes seria menor. É assim que se emperra a máquina. Os clubes não querem menos dinheiro no curto prazo e então ninguém se mexe a partir dessa primeira questão. Isso é verdade? Há números que comprovam isso? O que explica o sucesso da Premier Ligue?
E o segundo grande problema é que teria que haver uma completa mudança nas datas da Comenbol já que historicamente as datas da Copa Libertadores avançam até julho, enquanto na Europa as competições se encerram no final de maio. A Comenbol é outra parada dura. Teríamos que convencer a CBF a peitar a Globo e a Comenbol de uma só vez. Estudamos isso incansavelmente e preferimos propor, devido a urgência da necessidade, um calendário customizado, com pouquíssimas alterações nas principais competições e que pudesse ser aplicado ou implementado apenas com a decisão da CBF e dos clubes brasileiros, sem atrapalhar a TV Globo.
P- As Copas Estaduais propostas pelo Bom Senso não estão sendo levadas em consideração pelos presidentes de federações. Eles não abrem mão da base que os possibilita ficar no poder: os clubes pequenos. E agora?
R- Já passou da hora dos clubes pequenos se rebelarem. Até quando vão aguentar isso que lhes é oferecido? Conversei com vários presidentes, nenhum deles está feliz.
Mas aí você vê que os presidentes das federações se mantém no cargo por aclamação. Alguma coisa está errada, não? Os clubes juntos tem muita força mas a desunião deles é que sustenta o poder das federações. Enquanto cinco ou seis aceitam o risco da mudança, 20 ou 30 encostam nas federações para conseguir vantagens, empréstimos etc…
E vivem essa vida modorrenta de jogar três meses por ano. É um modelo fadado ao fracasso, infelizmente.
P- Os jogadores têm medo de optar pela greve? Vocês não deixaram o trem passar logo depois da invasão ao CT do Corinthians? Foram sabotados pelos clubes do interior?
Os jogadores não tiveram coragem de enfrentar os dirigentes que os ameaçavam de demissão? Ou dentro do Corinthians houve atletas que não queriam greve para não ter mais problemas com torcedores como o Emerson?
R- Dentre os jogadores do Corinthians, sustentamos (todos) a paralisação até domingo as 13:30h (o jogo estava marcado para as 16h) mas o clube não estava com a gente.
O diretoria estava com medo das possíveis punições. Não nos sentimos respaldados e acabamos cedendo muito mais pelo desespero nos olhos dos amigos da diretoria do que pela nossa vontade de ir para o jogo. E essa posição da diretoria do Corinthians após a invasão do CT acabou por não convencer atletas importantes de outros times de que deveríamos parar. Esses jogadores pediam uma posição mais firme para que pudessem bancar os riscos de uma greve que se apresentava sem suporte legal. E sem a adesão dos jogadores de renome, não havia como pedir para que os atletas do interior parassem também. Há de se lembrar que os atletas do interior foram extremamente pressionados por seus presidentes (que receberam, um a um, ligação direta do Sr. Marco Polo Del Nero) e preferiram não colocar em risco suas carreiras e seus futuros naquele momento. Quem propôs a greve foi o sindicato dos atletas de são paulo. O Bom Senso não se pronunciou oficialmente naquele momento já que havia decidido que não atrapalharia o andamento dos estaduais pois essa é a única opção de milhares de atletas jogarem, receberem e aparecerem para os grandes clubes. Mas a meu ver, a greve será a única solução para pressionar o status quo a buscar soluções no curto prazo.
P- O movimento Bom Senso não buscou o apoio de jogadores jovens e importantes como Neymar, Oscar, Lucas, Ganso? Ou eles não se interessaram? A principal ‘acusação’ de membros da CBF e até de gente como Eurico Miranda é que o movimento é de jogadores ricos e em final de carreira, que só querem atenção perto de largar o futebol e sonham em ser dirigentes, políticos?
R- Você deve se lembrar que quando houve greve na Espanha, há dois anos, quem estava sentado na mesa de negociação e quem dava as caras na imprensa eram oito dos principais jogadores da seleção espanhola. Foram eles que tomaram a frente do processo e disseram que não entrariam em campo em solidariedade aos demais companheiros de outros clubes que estavam com salários atrasados. Na NBA há alguns anos a greve também foi comandada pelos seis principais jogadores da liga. Não tenho dúvida de que apenas os grandes jogadores, com prestigio e história é que podem sustentar uma posição de confrontação com as entidades. Esse tipo de atleta não será ameaçado ou retaliado descaradamente. Todos os outros serão, sabemos disso. Quanto aos jovens, o movimento é democrático, é público. Entra quem quer. Ninguém é forçado a nada. Quando éramos jovens também não participamos ou não participávamos das principais decisões porque tínhamos medo de retaliação, porque estávamos preocupados com a nossa carreira e com as nossas oportunidades. A geração anterior a nossa era alienada ou desinteressada e não parou um segundo para pensar nos que vinham depois deles. Alguns estão na TV hoje, falando abobrinhas como se tivessem feito alguma coisa importante (extra campo) quando tinham notoriedade e representatividade para tal. Já Neymar, Lucas e Oscar estão estabilizados financeiramente mas tem uma Copa do Mundo pela frente e os outros jovens, instáveis economicamente, não discutirão com os poderosos nem se posicionarão contra eles. É mais do que entendível isso. Mas é oportunista a CBF e os Euricos dizerem que o movimento é de velhos que querem atenção. Parece que estão falando de si próprios. É uma tentativa ridícula de ludibriar o publico para mascarar sua inoperância administrativa e o desrespeito para com as estrelas que produzem, com suor e trabalho, o futebol brasileiro. Freud explica. Só se tem medo do que há dentro de você. Como eles têm muitos interesses nos cargos políticos do futebol, eles acreditam que todas as outras pessoas também devam ter. Então será impossível explicar-lhes ou faze-los entender que um bando de atletas consagrados representando mais de mil jogadores resolveu contribuir com o aperfeiçoamento do esporte no país, por paixão e vontade de deixar um caminho mais saudável para quem está por vir. Diferentemente dos atletas, esses personagens não são os produtores mas sim, os exploradores do futebol brasileiro. E exatamente por esse motivo, não dá pra entender como a CBF e as Federações (que vivem do espetáculo produzido pelos atletas) desrespeitam os jogadores e não dão a mínima para suas opiniões e experiências. Estamos falando do Dida, Alex, Rogério Ceni, Juninho Pernambucano, Seedorf, Juan, D’Alessandro, Gilberto Silva, Fernando Prass, Barcos, Lúcio Flavio, e tantos outros…. Quem são Marin e Marco Polo? Quem é Novelletto para falar uma asneira por semana? Tiveram sucesso em suas administrações? O interior de São Paulo está jogado as traças. O interior do Rio Grande do Sul nem se fala. É esse modelo atual que eles defendem? Me parece que sim porque estão todos muito satisfeitos. São verdadeiros dinossauros que não fazem ideia do que acontece no futebol atual mas que estão dispostos a tudo para continuar a mamar nas tetas da vaca. E o povo, revoltado com a sua própria desgraça diária em um país que não oferece o mínimo necessário, ao invés de perceber a força e a importância desse movimento (como exemplo) para a sociedade que precisa reclamar coisas mais importantes (evidentemente), trata de gastar energia para discriminar alguns atletas (2% do total) que recebem salários privilegiados. Só que por ignorância esse mesmo povo aceita passivamente a exploração e a má gestão do produto que ele ama e consome. Isso sim é uma coisa de maluco para mim!
P- Sua ida à China enfraqueceu o movimento. Alex está muito mais contido do que no início do movimento. Falta carisma ao Dida e ao Fernando Prass. Rogério Ceni mais desabafa do que propõe. Você ficou dividido entre o sucesso financeiro da transferência ao Oriente e sua importância no futuro do futebol brasileiro?
R- Acho que expliquei isso na primeira resposta.
P- No Corinthians eu havia descoberto um desconforto à sua permanência. Mano não queria que você fizesse o time perder o foco do futebol. Mario Gobbi, rompido com Andrés, queria ficar mais perto de Marin. A sua presença atrapalhava. Você percebeu o cenário?
R- O que percebi é que eles não propuseram uma prorrogação do contrato. Quais os motivos para isso eu não sei. Quanto ao Mano, ele havia conversado comigo sobre as entrevistas. Eu havia dito que tomaria cuidado para não atrapalhar o grupo mas que o meu caminho de contestação e de exposição não tinha mais volta. Eu durmo tranquilo todos os dias porque não deixei, em momento nenhum, de seguir a mesma linha de conduta de quando iniciei minhas críticas ao Ricardo Teixeira lá atrás.
P- Você ficará dois anos na China. Terá 32 anos, quer voltar para jogar no Brasil ou tentará ser dirigente, político?
R- Não sei. Aprendi que fazer planos é uma perda de tempo irrecuperável para a nossa vida. Nunca acertamos o que será de nós.
P- Muita gente repetiu que o Brasil é um país que não abre espaço para jogadores revolucionários, intelectuais. Foi assim com Afonsinho, Sócrates. Você está sentindo na pele essa situação?
R- Eu não ouso me comparar a esses craques da bola e do pensamento. Acho que eles atuaram em um momento muito mais difícil que o atual e foram extremamente corajosos e inteligentes. Colhem, merecidamente, os frutos de suas boas atitudes até hoje. Mas não é só no futebol que o povo não abre espaço. O nosso país é o que é porque falta educação de qualidade ao povo. Quem sabe se tivermos mais exemplos de pessoas com notoriedade e representatividade (como vem fazendo os principais jogadores do país com o movimento do Bom Senso) consigamos disseminar a importância de se participar de ações que visam a discussão e o aprimoramento de tudo que não funciona bem no Brasil. Uma coisa é certa, não adianta ficar em casa com a bunda na cadeira reclamando que a vida é uma porcaria.
P- Você tem consciência que sua saída do Brasil frustrou muita gente que começava a aderir ao Bom Senso? E por outro lado proporcionou festas na CBF e o sentimento de alívio em vários dirigentes? Você era visto como uma ameaça ao sistema.
R- As pessoas que aderiram ao Bom Senso continuam acreditando e contribuindo com o movimento. Elas não estavam lá por mim mas porque acreditam na causa e nos valores que defendemos. E assim continuará sendo.
P- Qual a sua real análise da Copa no Brasil? Qual o legado que ficará para o país? Para os jogadores? O que mudará se o Brasil vencer ou perder o Mundial? Muita gente acredita que será o caos ao futebol interno uma derrota. Concorda?
R- O futebol brasileiro está quebrado. O mercado foi inflacionado desde o último contrato que a Globo pagou pelos direitos de TV. Os clubes gastaram muito mais do que podiam e agora estão adiantando as receitas de 2015 e 2016. A maioria está com salários ou com os direitos de imagem atrasados. A Copa do mundo deixará estádios lindos que foram construídos com muito dinheiro público. A manutenção desses estádios é uma incógnita. Os gastos foram absurdos e abusivos, nenhuma cidade sede entregará o que prometeu.
Os legados sociais e esportivos são mínimos para a sociedade. Ou seja, não muda nada. Deixamos o bonde da história passar. Quanto ao resultado da Seleção, torço pelos jogadores. Eles receberão uma pressão absurda. Espero que tenham discernimento e suportem bem essa cobrança para que consigam fazer grandes jogos. Há muita coisa em jogo, não se trata só de futebol. O que se repete é que os cavalos de corrida é que terão que carregar toda essa carga no mês de junho.
P- Qual é o país que adota o melhor calendário para o futebol?
R- Os países europeus, sem dúvida.
P- A participação da imprensa está sendo favorável ao Bom Senso? Ou muitos não conseguem entender a sua importância?
R- A maior parte da imprensa me parece favorável ao movimento. Que cada um contribua da forma que puder. Todos, inclusive a imprensa, tem muito a ganhar com a melhora do espetáculo e do futebol brasileiro.
P- Dirigentes afirmam que o BS não aceita um teto salarial. É justo ou não fixar um teto para os jogadores?
R- Em primeiro lugar, o Bom Senso nunca falou sobre este tema com ninguém.
O movimento fala sobre jogo limpo financeiro e calendário. Só. Se o jogo limpo financeiro for implantado, os novos contratos serão reajustados de acordo com o mercado e sua realidade. Os jogadores apoiam essa medida. Deu pra entender? Os jogadores sabem que há um risco de redução dos valores mas preferem receber menos para receber em dia.
E em segundo lugar, e aqui vai a minha opinião, o mercado ou os bons gestores sabem que há um limite na folha de pagamento que deve ser proporcional a arrecadação do clube.
Se o clube arrecada mais, pode pagar mais. Se o clube arrecada menos, deve pagar menos. Todo clube tem uma oscilação de receita dependendo do resultado esportivo do ano anterior, bilheteria, etc… Por isso o valor do “custo futebol”, dizem os especialistas, não deve passar de 70% da receita total. Ou seja, o clube oferece o contrato que quiser para o atleta. Posso pedir um milhão, se ninguém me pagar isso vou ter que reduzir, reduzir, reduzir até achar um valor justo. Só que tem muito dirigente torcedor que na hora do desespero faz cagada e depois põe a culpa no atleta. Chegou a hora de melhorar a política de contratação e de manutenção de elenco. Sou a favor dos contratos por produção. Isso é feita na Europa há décadas e pouquíssimos clubes fazem no Brasil.
Que cada gestor consiga montar o melhor elenco possível com o dinheiro que tem.
Ah, e outra coisa, jornalistas, empresários e artistas tem teto salarial? Isso é história pra boi dormir.
P- Você está escrevendo um livro sobre o BS? Seria interessante demais mostrar o quanto é difícil mudar os paradigmas do futebol neste país.
R- Não estou escrevendo não. Quem sabe um dia. Nesse momento meu foco é aprender mandarim, jogar bem, dar suporte ao Bom Senso e aproveitar a vida na China. Isso toma todo o meu tempo, posso te garantir.
P- Qual o motivo da violência dos torcedores. O que pensa da atual legislação? Por que tanta impunidade?
R- Pulei essa.
P- O quanto você e sua família sofreram com sua postura firme de tomar à frente dessa revolução no futebol brasileiro?
R- Sinceramente, não sofri nada. Fiz tudo de peito aberto, acreditando piamente no que estava fazendo. Faria tudo de novo. E minha família diz ter muito orgulho. Nos piores dias os amigos mais próximos me ligavam, estavam preocupados com toda a exposição e eu lhes dizia: Estou feliz. Tenho tanta convicção do que estou falando e sei que estou fazendo o que é certo que durmo feito uma criança a noite. Sabem por que?
Porque não passo um pingo de vontade. Digo o que penso e defendo os meus ideias utilizando todo o conhecimento e experiência que adquiri aos longo desses 16 anos de futebol. Vocês sabem o que é isso? Eu lhes perguntava. E eles diziam que eu era um louco. E por fim eu sempre dizia a mesma coisa – como naquela música que não lembro o cantor – louco é quem não é feliz. Pensando bem, foi exatamente isso que o Doutor Sócrates e meus pais me ensinaram.
(*) Jornalista e comentarista esportivo
Cosme Rímoli (*)
P- Você era o grande líder do Bom Senso no país. Quem melhor se expressava. Teve proposta para ir jogar na Itália, não foi. Depois acerta com a China, logo depois da invasão de vândalos no Corinthians. Tudo ficou solto e parecendo represália sua pela maneira com que o futebol é conduzido no seu ex-clube, no Brasil…
R- Eu já havia recebido duas ofertas da Europa e estava pesando os prós e os contras desde dezembro. A paixão pelo Corinthians, a minha história no clube, a qualidade de vida que eu tinha em São Paulo e a luta pelo Bom Senso me faziam ter a certeza de que não seria 50 mil a mais ou 50 mil a menos que me fariam largar tudo e ir embora para outro país. No dia 10 de janeiro entrei na sala do Mano Menezes e expus com transparência o que estava acontecendo. Eu estava com 30 anos, havia tido lesões sérias ao longo da minha carreira e eu precisava de uma posição dele e do clube quanto a prorrogação do meu contrato. Deixei claro que eu não estava ali para pedir aumento. Eu queria estender o contrato para ter estabilidade já que os italianos me ofereciam dois anos e meio de contrato e no Corinthians eu tinha apenas mais onze meses. A renovação ou a saída representavam, provavelmente, meu “último bom contrato” e como eu havia terminado 2013 muito bem, era a hora de fazer isso. Edu Gaspar recebeu meu empresário e pediu uma semana para dar uma resposta. Por confiar demais, esperei até o dia 31 de janeiro, a janela de transferências para a Europa se fechou e consequentemente acabei perdendo o negócio. Então quando surgiu a proposta da China, estava muito claro para mim o que eu deveria fazer. Fui ao clube e pedi para ser liberado. O pior cego é aquele que não ver ver. Simples assim.
P- Que sentimento domina a sua alma ao saber que só três pessoas foram detidas entre as quase 200 que invadiram o CT do Corinthians? E elas acabam de ser liberadas, com o juiz garantindo que elas só queriam mostrar seu amor ao clube?
R- Sinceramente… É a porra do Brasil, como diria Renato Russo. A declaração do juiz foi desastrosa, ele não tem ideia do que passamos naquele fatídico dia. Ele está incentivando novas ações como essa. É uma vergonha. A impunidade é o grande mal do nosso país. Essa semana o presidente do Comercial de Ribeirão Preto deu entrevista dizendo que não pagaria seus atletas, seu segurança ameaçou os jogadores com uma arma e nada vai acontecer. Precisa de mais alguma confissão para o cara ser banido do futebol? E ainda veremos mais 3 ou 4 casos de ameaças e agressão a atletas de futebol no Brasil esse ano. Pode escrever. Até o dia em que alguém morrer. Daí aparece um promotor/justiceiro para cuidar do caso. O Brasil é o país do deixa para depois que a gente resolve. Lembre-se de uma coisa: todos os anos quatro times cairão, outros tantos irão jogar muito abaixo das expectativas e apenas um será campeão. Só não assino um papel em branco com essa informação porque quem organiza o campeonato é a CBF e nunca se sabe quantos clubes cairão de verdade.
P- Por que os treinadores de grandes times e mesmo o Felipão não aderem ao calendário apresentado pelo Bom Senso?
R- Os treinadores de grandes times aderiram ao Bom Senso. Inclusive participaram do vídeo que o movimento produziu no inicio do ano. Muricy Ramalho, Gilson Kleina, Oswaldo de Oliveira, Vagner Mancini, Renato Gaúcho, Tite e muitos outros apoiaram o movimento publicamente. E agora temos o apoio da Federação dos Treinadores e da Associação dos Executivos de futebol. Ou seja, não é possível que esse tripé que vivencia diariamente o futebol esteja falando besteira e apoiando o lado errado. Eles, historicamente, nunca entraram nesse tipo de discussão e sabemos que não entrariam se não tivessem certeza do que estão defendendo. Mas CBF e as Federações não dão a mínima para isso.
P- Na proposta apresentada pelo Bom Senso, com até Série E, haverá milhares de jogos entre equipes muito pequenas. Mas que não despertam o menor interesse. Com estádios vazios, como os clubes pagarão esses 12 mil jogadores?
R- Cosme, o Bom Senso está preparando essa resposta para dar de forma oficial. Então não vou adiantar nada aqui, tudo bem? No começo muita gente considerava o BS um movimento elitista. Mas os clubes grandes não são os grandes massacrados no calendário brasileiro nas últimas décadas? Todos os clubes tem sido massacrados. Uns porque jogam demais e outros porque jogam de menos. Só algumas poucas pessoas continuam ganhando com esse caos ao longo de todo esse tempo. O que não entendo é porque os clubes tem tanto medo de retaliação. Parece que estão se posicionando contra a máfia nos seus tempos áureos. Quando os clubes entenderem que vendem o mesmo produto e que são aliados fora de campo, veremos uma luz no fim do túnel. Não há Grêmio sem Inter ou Inter sem Grêmio. Não há Atlético sem Coritiba ou Coritiba sem Atlético. E assim por diante…
P-Há como fazer um calendário decente sem afetar o desejo da televisão? Seja a Globo ou quem for a dona dos direitos de transmissão não irá pensar primeiro na sua grade de programação?
R- Mas essa é uma questão clara. A Globo está no negócio para ganhar dinheiro. Ela não quer saber se os jogadores recebem em dia, se a qualidade está boa ou poderia ser melhorada, muito menos se os estádios estão cheios. E o pior é que ela está no direito dela. Quanto mais endividados e dependentes forem os clubes, menos ela pagará pelo campeonato e mais mandará em tudo. O que eu não entendo é a CBF não se preocupar com tudo que envolve o futebol brasileiro. Desde a qualidade dos gramados, a iluminação dos estádios, as instalações da imprensa, a segurança dos torcedores, o horário de jogos, a super dependência de seus filiados aos direitos de transmissão da TV, o adiantamento descabido desses direitos, a falta do pagamento aos atletas, a falta de pagamento dos impostos ao governo, a capacitação de gestores e treinadores que ditarão os rumos do nosso futebol, a formação de novos atletas à moda brasileira, etc… Ela diz não ter nada a ver com tudo isso. Tem que ficar claro que a CBF tem uma responsabilidade gerencial e social sobre o futebol que é estatutária, ela não pode se fazer de simples intermediária e se isentar de mexer nas feridas ou de desenvolver soluções para os nossos problemas.
Até porque o resultado de tudo isso é o afastamento de pessoas e empresas sérias do meio do futebol e a desvalorização do produto final que é razão da existência da própria entidade. Mas como a Seleção vai bem, e vende patrocínio a torto e a direito, que se danem os outros. Quanto ao calendário, não existe um ideal mas há muitos que são melhores do que o atual e dá pra trabalhar com a TV num modelo ganha-ganha. Basta vontade política para tal.
P- Adequar o calendário brasileiro ao europeu não seria muito melhor aos clubes grandes? R- Sem dúvida nenhuma. Essa é uma opinião pessoal minha. Para fortalecer o futebol brasileiro, aumentar o intercambio de experiencias e a visibilidade dos nossos clubes lá fora, é necessário adequar o nosso calendário. O primeiro problema é que mexer nesse vespeiro é ir diretamente para o choque com a TV GLOBO. O Marcelo Campos Pinto diz que dezembro e janeiro a audiência do futebol é muito baixa e isso ocasionaria uma redução das cotas dos anunciantes. Consequentemente o direito de transmissão pago aos clubes seria menor. É assim que se emperra a máquina. Os clubes não querem menos dinheiro no curto prazo e então ninguém se mexe a partir dessa primeira questão. Isso é verdade? Há números que comprovam isso? O que explica o sucesso da Premier Ligue?
E o segundo grande problema é que teria que haver uma completa mudança nas datas da Comenbol já que historicamente as datas da Copa Libertadores avançam até julho, enquanto na Europa as competições se encerram no final de maio. A Comenbol é outra parada dura. Teríamos que convencer a CBF a peitar a Globo e a Comenbol de uma só vez. Estudamos isso incansavelmente e preferimos propor, devido a urgência da necessidade, um calendário customizado, com pouquíssimas alterações nas principais competições e que pudesse ser aplicado ou implementado apenas com a decisão da CBF e dos clubes brasileiros, sem atrapalhar a TV Globo.
P- As Copas Estaduais propostas pelo Bom Senso não estão sendo levadas em consideração pelos presidentes de federações. Eles não abrem mão da base que os possibilita ficar no poder: os clubes pequenos. E agora?
R- Já passou da hora dos clubes pequenos se rebelarem. Até quando vão aguentar isso que lhes é oferecido? Conversei com vários presidentes, nenhum deles está feliz.
Mas aí você vê que os presidentes das federações se mantém no cargo por aclamação. Alguma coisa está errada, não? Os clubes juntos tem muita força mas a desunião deles é que sustenta o poder das federações. Enquanto cinco ou seis aceitam o risco da mudança, 20 ou 30 encostam nas federações para conseguir vantagens, empréstimos etc…
E vivem essa vida modorrenta de jogar três meses por ano. É um modelo fadado ao fracasso, infelizmente.
P- Os jogadores têm medo de optar pela greve? Vocês não deixaram o trem passar logo depois da invasão ao CT do Corinthians? Foram sabotados pelos clubes do interior?
Os jogadores não tiveram coragem de enfrentar os dirigentes que os ameaçavam de demissão? Ou dentro do Corinthians houve atletas que não queriam greve para não ter mais problemas com torcedores como o Emerson?
R- Dentre os jogadores do Corinthians, sustentamos (todos) a paralisação até domingo as 13:30h (o jogo estava marcado para as 16h) mas o clube não estava com a gente.
O diretoria estava com medo das possíveis punições. Não nos sentimos respaldados e acabamos cedendo muito mais pelo desespero nos olhos dos amigos da diretoria do que pela nossa vontade de ir para o jogo. E essa posição da diretoria do Corinthians após a invasão do CT acabou por não convencer atletas importantes de outros times de que deveríamos parar. Esses jogadores pediam uma posição mais firme para que pudessem bancar os riscos de uma greve que se apresentava sem suporte legal. E sem a adesão dos jogadores de renome, não havia como pedir para que os atletas do interior parassem também. Há de se lembrar que os atletas do interior foram extremamente pressionados por seus presidentes (que receberam, um a um, ligação direta do Sr. Marco Polo Del Nero) e preferiram não colocar em risco suas carreiras e seus futuros naquele momento. Quem propôs a greve foi o sindicato dos atletas de são paulo. O Bom Senso não se pronunciou oficialmente naquele momento já que havia decidido que não atrapalharia o andamento dos estaduais pois essa é a única opção de milhares de atletas jogarem, receberem e aparecerem para os grandes clubes. Mas a meu ver, a greve será a única solução para pressionar o status quo a buscar soluções no curto prazo.
P- O movimento Bom Senso não buscou o apoio de jogadores jovens e importantes como Neymar, Oscar, Lucas, Ganso? Ou eles não se interessaram? A principal ‘acusação’ de membros da CBF e até de gente como Eurico Miranda é que o movimento é de jogadores ricos e em final de carreira, que só querem atenção perto de largar o futebol e sonham em ser dirigentes, políticos?
R- Você deve se lembrar que quando houve greve na Espanha, há dois anos, quem estava sentado na mesa de negociação e quem dava as caras na imprensa eram oito dos principais jogadores da seleção espanhola. Foram eles que tomaram a frente do processo e disseram que não entrariam em campo em solidariedade aos demais companheiros de outros clubes que estavam com salários atrasados. Na NBA há alguns anos a greve também foi comandada pelos seis principais jogadores da liga. Não tenho dúvida de que apenas os grandes jogadores, com prestigio e história é que podem sustentar uma posição de confrontação com as entidades. Esse tipo de atleta não será ameaçado ou retaliado descaradamente. Todos os outros serão, sabemos disso. Quanto aos jovens, o movimento é democrático, é público. Entra quem quer. Ninguém é forçado a nada. Quando éramos jovens também não participamos ou não participávamos das principais decisões porque tínhamos medo de retaliação, porque estávamos preocupados com a nossa carreira e com as nossas oportunidades. A geração anterior a nossa era alienada ou desinteressada e não parou um segundo para pensar nos que vinham depois deles. Alguns estão na TV hoje, falando abobrinhas como se tivessem feito alguma coisa importante (extra campo) quando tinham notoriedade e representatividade para tal. Já Neymar, Lucas e Oscar estão estabilizados financeiramente mas tem uma Copa do Mundo pela frente e os outros jovens, instáveis economicamente, não discutirão com os poderosos nem se posicionarão contra eles. É mais do que entendível isso. Mas é oportunista a CBF e os Euricos dizerem que o movimento é de velhos que querem atenção. Parece que estão falando de si próprios. É uma tentativa ridícula de ludibriar o publico para mascarar sua inoperância administrativa e o desrespeito para com as estrelas que produzem, com suor e trabalho, o futebol brasileiro. Freud explica. Só se tem medo do que há dentro de você. Como eles têm muitos interesses nos cargos políticos do futebol, eles acreditam que todas as outras pessoas também devam ter. Então será impossível explicar-lhes ou faze-los entender que um bando de atletas consagrados representando mais de mil jogadores resolveu contribuir com o aperfeiçoamento do esporte no país, por paixão e vontade de deixar um caminho mais saudável para quem está por vir. Diferentemente dos atletas, esses personagens não são os produtores mas sim, os exploradores do futebol brasileiro. E exatamente por esse motivo, não dá pra entender como a CBF e as Federações (que vivem do espetáculo produzido pelos atletas) desrespeitam os jogadores e não dão a mínima para suas opiniões e experiências. Estamos falando do Dida, Alex, Rogério Ceni, Juninho Pernambucano, Seedorf, Juan, D’Alessandro, Gilberto Silva, Fernando Prass, Barcos, Lúcio Flavio, e tantos outros…. Quem são Marin e Marco Polo? Quem é Novelletto para falar uma asneira por semana? Tiveram sucesso em suas administrações? O interior de São Paulo está jogado as traças. O interior do Rio Grande do Sul nem se fala. É esse modelo atual que eles defendem? Me parece que sim porque estão todos muito satisfeitos. São verdadeiros dinossauros que não fazem ideia do que acontece no futebol atual mas que estão dispostos a tudo para continuar a mamar nas tetas da vaca. E o povo, revoltado com a sua própria desgraça diária em um país que não oferece o mínimo necessário, ao invés de perceber a força e a importância desse movimento (como exemplo) para a sociedade que precisa reclamar coisas mais importantes (evidentemente), trata de gastar energia para discriminar alguns atletas (2% do total) que recebem salários privilegiados. Só que por ignorância esse mesmo povo aceita passivamente a exploração e a má gestão do produto que ele ama e consome. Isso sim é uma coisa de maluco para mim!
P- Sua ida à China enfraqueceu o movimento. Alex está muito mais contido do que no início do movimento. Falta carisma ao Dida e ao Fernando Prass. Rogério Ceni mais desabafa do que propõe. Você ficou dividido entre o sucesso financeiro da transferência ao Oriente e sua importância no futuro do futebol brasileiro?
R- Acho que expliquei isso na primeira resposta.
P- No Corinthians eu havia descoberto um desconforto à sua permanência. Mano não queria que você fizesse o time perder o foco do futebol. Mario Gobbi, rompido com Andrés, queria ficar mais perto de Marin. A sua presença atrapalhava. Você percebeu o cenário?
R- O que percebi é que eles não propuseram uma prorrogação do contrato. Quais os motivos para isso eu não sei. Quanto ao Mano, ele havia conversado comigo sobre as entrevistas. Eu havia dito que tomaria cuidado para não atrapalhar o grupo mas que o meu caminho de contestação e de exposição não tinha mais volta. Eu durmo tranquilo todos os dias porque não deixei, em momento nenhum, de seguir a mesma linha de conduta de quando iniciei minhas críticas ao Ricardo Teixeira lá atrás.
P- Você ficará dois anos na China. Terá 32 anos, quer voltar para jogar no Brasil ou tentará ser dirigente, político?
R- Não sei. Aprendi que fazer planos é uma perda de tempo irrecuperável para a nossa vida. Nunca acertamos o que será de nós.
P- Muita gente repetiu que o Brasil é um país que não abre espaço para jogadores revolucionários, intelectuais. Foi assim com Afonsinho, Sócrates. Você está sentindo na pele essa situação?
R- Eu não ouso me comparar a esses craques da bola e do pensamento. Acho que eles atuaram em um momento muito mais difícil que o atual e foram extremamente corajosos e inteligentes. Colhem, merecidamente, os frutos de suas boas atitudes até hoje. Mas não é só no futebol que o povo não abre espaço. O nosso país é o que é porque falta educação de qualidade ao povo. Quem sabe se tivermos mais exemplos de pessoas com notoriedade e representatividade (como vem fazendo os principais jogadores do país com o movimento do Bom Senso) consigamos disseminar a importância de se participar de ações que visam a discussão e o aprimoramento de tudo que não funciona bem no Brasil. Uma coisa é certa, não adianta ficar em casa com a bunda na cadeira reclamando que a vida é uma porcaria.
P- Você tem consciência que sua saída do Brasil frustrou muita gente que começava a aderir ao Bom Senso? E por outro lado proporcionou festas na CBF e o sentimento de alívio em vários dirigentes? Você era visto como uma ameaça ao sistema.
R- As pessoas que aderiram ao Bom Senso continuam acreditando e contribuindo com o movimento. Elas não estavam lá por mim mas porque acreditam na causa e nos valores que defendemos. E assim continuará sendo.
P- Qual a sua real análise da Copa no Brasil? Qual o legado que ficará para o país? Para os jogadores? O que mudará se o Brasil vencer ou perder o Mundial? Muita gente acredita que será o caos ao futebol interno uma derrota. Concorda?
R- O futebol brasileiro está quebrado. O mercado foi inflacionado desde o último contrato que a Globo pagou pelos direitos de TV. Os clubes gastaram muito mais do que podiam e agora estão adiantando as receitas de 2015 e 2016. A maioria está com salários ou com os direitos de imagem atrasados. A Copa do mundo deixará estádios lindos que foram construídos com muito dinheiro público. A manutenção desses estádios é uma incógnita. Os gastos foram absurdos e abusivos, nenhuma cidade sede entregará o que prometeu.
Os legados sociais e esportivos são mínimos para a sociedade. Ou seja, não muda nada. Deixamos o bonde da história passar. Quanto ao resultado da Seleção, torço pelos jogadores. Eles receberão uma pressão absurda. Espero que tenham discernimento e suportem bem essa cobrança para que consigam fazer grandes jogos. Há muita coisa em jogo, não se trata só de futebol. O que se repete é que os cavalos de corrida é que terão que carregar toda essa carga no mês de junho.
P- Qual é o país que adota o melhor calendário para o futebol?
R- Os países europeus, sem dúvida.
P- A participação da imprensa está sendo favorável ao Bom Senso? Ou muitos não conseguem entender a sua importância?
R- A maior parte da imprensa me parece favorável ao movimento. Que cada um contribua da forma que puder. Todos, inclusive a imprensa, tem muito a ganhar com a melhora do espetáculo e do futebol brasileiro.
P- Dirigentes afirmam que o BS não aceita um teto salarial. É justo ou não fixar um teto para os jogadores?
R- Em primeiro lugar, o Bom Senso nunca falou sobre este tema com ninguém.
O movimento fala sobre jogo limpo financeiro e calendário. Só. Se o jogo limpo financeiro for implantado, os novos contratos serão reajustados de acordo com o mercado e sua realidade. Os jogadores apoiam essa medida. Deu pra entender? Os jogadores sabem que há um risco de redução dos valores mas preferem receber menos para receber em dia.
E em segundo lugar, e aqui vai a minha opinião, o mercado ou os bons gestores sabem que há um limite na folha de pagamento que deve ser proporcional a arrecadação do clube.
Se o clube arrecada mais, pode pagar mais. Se o clube arrecada menos, deve pagar menos. Todo clube tem uma oscilação de receita dependendo do resultado esportivo do ano anterior, bilheteria, etc… Por isso o valor do “custo futebol”, dizem os especialistas, não deve passar de 70% da receita total. Ou seja, o clube oferece o contrato que quiser para o atleta. Posso pedir um milhão, se ninguém me pagar isso vou ter que reduzir, reduzir, reduzir até achar um valor justo. Só que tem muito dirigente torcedor que na hora do desespero faz cagada e depois põe a culpa no atleta. Chegou a hora de melhorar a política de contratação e de manutenção de elenco. Sou a favor dos contratos por produção. Isso é feita na Europa há décadas e pouquíssimos clubes fazem no Brasil.
Que cada gestor consiga montar o melhor elenco possível com o dinheiro que tem.
Ah, e outra coisa, jornalistas, empresários e artistas tem teto salarial? Isso é história pra boi dormir.
P- Você está escrevendo um livro sobre o BS? Seria interessante demais mostrar o quanto é difícil mudar os paradigmas do futebol neste país.
R- Não estou escrevendo não. Quem sabe um dia. Nesse momento meu foco é aprender mandarim, jogar bem, dar suporte ao Bom Senso e aproveitar a vida na China. Isso toma todo o meu tempo, posso te garantir.
P- Qual o motivo da violência dos torcedores. O que pensa da atual legislação? Por que tanta impunidade?
R- Pulei essa.
P- O quanto você e sua família sofreram com sua postura firme de tomar à frente dessa revolução no futebol brasileiro?
R- Sinceramente, não sofri nada. Fiz tudo de peito aberto, acreditando piamente no que estava fazendo. Faria tudo de novo. E minha família diz ter muito orgulho. Nos piores dias os amigos mais próximos me ligavam, estavam preocupados com toda a exposição e eu lhes dizia: Estou feliz. Tenho tanta convicção do que estou falando e sei que estou fazendo o que é certo que durmo feito uma criança a noite. Sabem por que?
Porque não passo um pingo de vontade. Digo o que penso e defendo os meus ideias utilizando todo o conhecimento e experiência que adquiri aos longo desses 16 anos de futebol. Vocês sabem o que é isso? Eu lhes perguntava. E eles diziam que eu era um louco. E por fim eu sempre dizia a mesma coisa – como naquela música que não lembro o cantor – louco é quem não é feliz. Pensando bem, foi exatamente isso que o Doutor Sócrates e meus pais me ensinaram.
(*) Jornalista e comentarista esportivo
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