sábado, 26 de dezembro de 2009

ITBI Sobre a Tranmissão da Posse


Helenilson Pontes (*)
A irregularidade fundiária, problema que afeta muitos municípios do interior do Pará, constitui embaraço não apenas para o setor produtivo, mas também representa importante óbice para o reforço das finanças municipais através da arrecadação do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI.

A falta de regularização dos imóveis urbanos, através da abertura de matrículas de propriedades nos Cartórios de Registro de Imóveis, permite a multiplicação de posses construídas sobre imóveis públicos que são transmitidas por simples instrumentos particulares. Ocorre que a transmissão destas posses não pode validamente ser objeto de incidência do ITBI, apesar da pretensão temerária de alguns Prefeitos neste sentido.
A Constituição Federal autoriza os Municípios a editarem lei instituindo o imposto sobre a transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. Os Municípios podem legalmente criar o imposto, mas não podem fugir dos fatos jurídicos (fatos geradores) assinalados pela Constituição como possíveis de serem alcançados pela regra de incidência tributária.

Por exigência constitucional, o ITBI é imposto que só pode incidir sobre a transmissão onerosa (o que afasta as doações) entre pessoas vivas (o que exclui as transferências por herança), a qualquer título, a) de bens imóveis, b) de direitos reais sobre imóveis (exceto a hipoteca, o penhor e a anticrese) e b) a cessão de direitos para a aquisição desses direitos reais. De forma simplificada, pode-se afirmar que o aspecto material do fato jurídico possível de ser tributável pelo ITBI é a transmissão de direitos reais.
A enumeração dos direitos reais e a forma jurídica exigida para a sua constituição e transmissão são matérias reguladas pelo direito privado (Código Civil e leis civis). Por força do Código Tributário Nacional (art. 110), a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, para definir ou limitar competências tributárias, como ocorre no caso do ITBI.

O Código Civil (art. 1.225) enumera os direitos reais, entre os quais não inclui a posse. Independentemente da natureza jurídica da posse, para efeito de incidência do ITBI, o importante é constatar que os direitos reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos entre vivos só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (Código Civil, art. 1.227).
Ainda que a posse assuma, no contexto de algumas relações jurídicas, a natureza de direito real, o que é sustentado por alguns doutrinadores, a sua transferência somente poderia dar ensejo à incidência do ITBI (como transmissão de direito real sobre imóvel) no momento do eventual registro do ato jurídico transmitente no Cartório de Registro de Imóveis, caso o direito privado assim admitisse.

Assim, a cobrança de ITBI sobre a transmissão onerosa entre pessoas vivas de simples direito de posse encontra um duplo óbice jurídico. Sob o ponto de vista do aspecto material do fato gerador tributário, esta exigência é inconstitucional porque a posse não está claramente contemplada entre os direitos reais pelo direito privado (Código Civil, art. 1.225), cuja transmissão possa ensejar a incidência tributária.
Sob o ponto de vista do aspecto temporal do fato gerador, a pretendida exigência é inválida porque só poderia ocorrer no momento do registro do título jurídico de transmissão da posse no Cartório de Registro de Imóveis (Código Civil, art. 1.227), caso fosse juridicamente possível pelas regras do direito privado.

Portanto, ao invés de insistirem em cobranças temerárias de ITBI, alguns Prefeitos deveriam tomar providências no sentido de regularizar as posses urbanas construídas sobre imóveis públicos, transformando-as em efetiva aquisição originária da propriedade privada através do seu competente no Cartório de Registro de Imóveis.

(*)  Livre Docente em Legislação Tributária e Doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo/SP


Um comentário:

  1. Muito bem escrito! Estava procurando sobre a incidência de ITBI em escrituras de cessão de direitos possessórios, o que também acho um absurdo, e achei o seu blog. Sou Tabelião e Oficial de Registro e quero escrever uma suscitação de dúvida à Juíza Diretora do Fórum para que me autorize lavrar esse tipo de escritura sem recolhimento prévio do mencionado imposto, com certeza seus argumentos vão ser de grande valia para o meu procedimento. Atenciosamente, Jorge Arantes.

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