terça-feira, 7 de abril de 2015

"Brasil ficou para trás no setor de biocombustíveis"

Revista Canavieiros 

Após se tornar o líder no consumo e produção de biocombustíveis, o Brasil perdeu a hegemonia para EUA (em 2003) e União Europeia (2011). O retorno à ponta, porém, será difícil, afirma Sergio Salles-Filho, organizador do livro "Futuros do Bioetanol: O Brasil na Liderança", lançado pela Unicamp. 

Segundo ele, o Brasil terá que investir mais na tecnologia de segunda geração dos biocombustíveis – produção de etanol por meio de celulose – e implementar políticas mais concretas para o setor. 

"O Brasil investe nessa tecnologia, porém menos que EUA, União Europeia e China", afirma o engenheiro agrônomo. "Existe uma corrida hoje para ver quem vai estabelecer o padrão de produção de álcool a partir da celulose, mas o Brasil está para trás." 

Deutsche Welle: Após ser líder no consumo de biocombustíveis, o Brasil perdeu a liderança em consumo para os EUA (2003) e União Europeia (2011). Por quê? 
Sergio Salles-Filho: O Brasil tinha uma liderança muito mais pelo fato de que a indústria de açúcar e álcool era secular e o país deu início antes dos outros países ao uso sistemático do etanol como combustível para automóveis. Ou seja, desse uso sistemático gerou-se uma política de usar o etanol e, assim, a produção foi aumentada. Era uma liderança frágil, porque era o único país que produzia etanol por meio de cana de açúcar. Os demais países não faziam isso. Como era estava só, o Brasil era líder dele mesmo. 

E o que os outros países, como os EUA, fizeram para crescer no setor? 
Como boa parte da tecnologia é aberta, a perda da liderança ocorreu de forma rápida. 
Os EUA focaram muito no etanol de milho. Em menos de cinco anos, dobraram a produção para 50 bilhões de litros. Hoje são quase 60 bilhões. Foi um salto extraordinário porque houve uma política de Estado dizendo que iriam colocar etanol na gasolina. 

É possível o Brasil voltar à liderança mundial no setor? 
Acho, pessoalmente, isso muito difícil de acontecer, mas não é impossível. Por uma razão: o volume de investimento em novas tecnologias que vem sendo realizado por países desenvolvidos é muito maior do que o do Brasil. As técnicas tradicionais de produção, seja do etanol ou do biodiesel, não têm segredo. Já novas tecnologias, principalmente a partir de celulose, podem mudar a situação no futuro. O Brasil investe nessa tecnologia, porém menos que EUA, União Europeia e China. Existe uma corrida hoje para ver quem vai estabelecer o padrão de produção de álcool a partir da celulose, mas o país está para trás. Ele terá que ampliar os investimentos caso queira retomar a liderança. 

O que exatamente precisa ser feito? 
É preciso que seja criada uma política para substituir o combustível fóssil, ou seja, ir retirando gradativamente a gasolina do posto e colocando mais etanol à disposição. 
Mas, em vez disso, o governo federal tomou claramente uma opção pela produção de petróleo. Ele continua investindo em biocombustíveis, mas não dá para comparar, já que são volumes de dinheiro bem diferentes. 

Faltam políticas para o setor? 
Falta uma política clara do governo federal em relação aos biocombustíveis. Elas chegam a existir, mas não são concretas como, por exemplo, determinar que, em dez anos, o Brasil terá que ter uma frota de 80% rodando com etanol. O que existe é uma política dúbia, em que o governo aposta ao mesmo tempo no petróleo e nos biocombustíveis. 
Não há problemas nisso, mas, a longo prazo, é criada uma sinalização confusa para os atores públicos e privados que estão envolvidos no setor. 

Com o barril de petróleo mais barato, vale a pena ainda investir em biocombustíveis? 
O preço do barril de petróleo, que caiu de forma muito intensa, altera completamente qualquer estudo prospectivo sobre o futuro dos biocombustíveis. Isso porque eles existem por uma pressão ambiental, por serem mais adequados ambientalmente e uma alternativa aos derivados do petróleo. Mas a de decisão sobre investimentos não pode depender tanto do momento. Não se pode estruturar uma indústria de biocombustíveis, incluindo aí a cadeia produtiva, de transporte, distribuição e consumo, e ficar dependendo de uma oscilação do preço do petróleo. 

Quais são os principais impulsos atualmente ao investimento em biocombustíveis? 
A principal razão para a expansão hoje dos biocombustíveis são as regulações ambientais – como a redução da emissão de carbono – e isso coloca força na produção. Se não fosse a regulamentação ambiental em Europa, EUA e Brasil, além de outros países, de redução de emissão de carbono e substituição de combustíveis fósseis por renováveis, o futuro dos biocombustíveis estaria comprometido.

Como você vê o futuro dos biocombustíveis?
A tendência é a produção de bioetanol a partir de celulose – como fibra, palha e bagaço da própria cana –, mas ela está no início. A vantagem é que se pode extrair o etanol a partir de qualquer biomassa vegetal com celulose. E, assim, vários países têm a chance de entrar no negócio, já que, se um país não consegue produzir cana de açúcar por causa do clima, é possível produzir essa matéria-prima mais indiferenciada. Hoje existem no mundo cerca de seis a oito plantas em escala industrial para produzir bioetanol com base em celulose, com capacidades muito baixas. 
As duas maiores – que têm capacidade de produzir 90 milhões de litros por ano e se localizam nos EUA – não conseguem chegar nesse teto por problemas técnicos. Só em comparação, os EUA produzem quase 60 bilhões de litros por ano de etanol de milho. 
O Brasil – com a terceira maior planta e capacidade de 80 milhões de litros por ano – começou a produzir no ano passado e está fazendo ajustes para que a operação chegue ao volume de produção que é esperado.

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