sábado, 8 de novembro de 2014

Eu ainda vou conseguir entender

Bellini Tavares de Lima Neto (*) 

Nestes últimos meses, graças ao embalo das eleições, deve ter sido a maior incidência de conversas a respeito de cidadania de que se tem noticia. Nunca vi tanta gente falando sobre o assunto, defendendo com ardor quase heroico essa tal cidadania.
É uma boa discussão, chega até a dar um certo ânimo, especialmente em pessimistas como eu que insistem em ver tudo errado. Mas, na minha idade, já não se enxerga tão bem, mesmo. 

É tudo muito curioso. Chego perto de um cruzamento onde há um semáforo. 
As duas ruas que se cruzam tem um movimento considerável. Acrescente-se a isso o fato de que já é de tarde e o trânsito costuma aumentar. O farol está vermelho para um lado e verde para o outro, o que, de resto, é uma informação das mais relevantes. 
Eis que a coisa se inverte. Mas (sempre existe um “mas”) o problema é que um cidadão (?) que cruzava a rua para onde o farol estava verde, resolveu ir em frente mesmo observando que, depois do cruzamento, tudo estava parado. 
Resultado? Teve que parar no meio do cruzamento, impedindo que os novos cidadãos contemplados pelo novo farol verde pudessem ir em frente. 
Nesse momento começa um buzinaço infernal, o que, aliás, é perfeitamente justificado e compreensível depois que cientistas japoneses descobriram que, buzinar no trânsito tem o poder de abrir caminhos quase que magicamente. 
Trata-se de uma partícula atômica recentemente descoberta e que tem esse poder. 

Como até mesmo a ciência, às vezes, não dá certo, a nova partícula atômica não funcionou e o avanço foi pequeno. Assim, daí a pouco, o farol fica vermelho de novo. 
No entanto, os que estavam perto do cruzamento entendem que tem o direito de atravessar no farol vermelho. Ora, se estavam esperando para atravessar e não conseguiram porque alguém andou mais devagar ou engavetou alguma coisa à frente, nada mais lógico que prosseguir e assim compensar seu prejuízo. 
A isso se dá o nome filosófico de “aproveitar o farol”. 
Só me surpreende que Aristóteles, que tanto se gabou de disciplinar a lógica, não tenha feito menção a esse raciocínio perfeito desenvolvido em terras varonis. 

Eu, então, fico tentando conciliar o principio do “aproveitamento do farol” com a discussão sobre cidadania. Penso, penso, penso enquanto, dotado de uma ingenuidade quase infantil ou fronteiriça, permaneço no aguardo de que chegue a minha vez de passar na cor verde, mesmo sendo portador de uma tal deuteranomalia, que não me ajuda muito em matéria de cores. Pois é. Nos últimos meses se discutiu com todo o furor e entusiasmo essas questões relativas ao desrespeito às leis, sobretudo em matéria de patrimônio público, tesouro nacional e similares. Ora, afinal, botar a mão no dinheiro público é crime, assim como furtar ou roubar o dinheiro privado. 
Então, tudo parecia levar a entender que as pessoas são contra esse ato criminoso. 

O que me deixa um pouco confuso é que, ao que parece, existem uns tantos outros crimes que não gozam do mesmo prestigio. 
Afinal, nós somos contra violar as leis ou não? 

(*) Advogado, avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)

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