quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Mea Culpa

Renato Gomes Nery (*) 

A questão da culpa ganha destaque quando nos deparamos hoje com autoridades que deixam ou omitem as traquinagens, desmandos e crimes de seus subordinados e, após escândalos e mais escândalos, dizem que não sabiam. E adentra para a questão dos entusiastas que ajudaram a entronizar estas autoridades e dizem que não sabiam que foram enganados por elas. Sabiam ou não sabiam? Eis a questão que tentei responder em outra ocasião. 

Quantos de nós, acreditando nos bons propósitos e excelentes programas, ajudamos entronizar tantas e nefastas representações políticas e, ora, estamos desapontados com elas, porque constatamos que o único objetivo era o poder que conquistaram as nossas custas e viraram as costas para tudo que pregavam (inclusive ideais e idéias que comungaram ao longo da vida), em prol de ideologias e programas duvidosos, de privilégios, benefícios pessoais, familiares e de grupos e mesmo da manutenção pura e simples do Poder. À revelia está o País que continua o mesmo, infelicitado por tantas e tão graves injustiças. Será que não temos culpa por isto? E aqui reside a questão da omissão e da responsabilidade, do entusiasmo e dos entusiastas, abordada de forma genial por Milan Kundera, em seu Livro memorável, denominado A Insustentável Leveza do Ser - 45ª Ed. Nova Fronteira, pag. 177/178, ao descrever sobre a implantação do Regime Comunista e os danos que ele causou a Europa Central – 

- A história de Édipo é bem conhecida: um pastor, tendo encontrado um recém nascido abandonado, levou ao rei Pólibo, que o criou. Quando Édipo cresceu, encontrou num caminho das montanhas um carro em que viajava um príncipe desconhecido. 
Os dois se desentenderam, e Édipo matou o príncipe. Mais tarde casou-se com a rainha Jocasta e tornou rei de Tebas. Não suspeitava que o homem que tempos atrás assassinara nas montanhas era o seu pai, e que a mulher com quem dormia era a sua mãe. 
Enquanto isto a sorte perseguia seus súditos, dizimando-os com doenças. 
Quando Édipo compreendeu que era o único culpado por esses sofrimentos, furou os olhos com espinhos e, cego para sempre, partiu de Tebas. 

Conclui o Autor....
Aqueles que pensam que os regimes comunistas da Europa Central são obra exclusiva dos criminosos deixam na sombra uma verdade fundamental: os regimes criminosos não foram feitos por criminosos, mas por entusiastas convencidos de terem descoberto o paraíso. Defendiam corajosamente esse caminho, executando, por isso, centenas de pessoas. 
Mais tarde ficou claro como o dia que o paraíso não existia, e que, portanto, os entusiastas eram assassinos. 

Assim todos acusavam os comunistas: vocês são os responsáveis pelas desgraças do país ( que está arruinado), pela perda de sua independência (caiu sob tutela dos russos), pelos assassinatos judiciários. Os acusados respondiam: não sabíamos! Fomos enganados! Acreditamos! Somos inocentes do fundo do coração! 

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Sabiam ou não sabiam? Mas: seriam inocentes apenas por que não sabiam? 
Um imbecil sentado no trono estaria isento de toda responsabilidade somente pelo fato de ser um imbecil? 

Édipo não sabia que dormia com sua própria mãe, e, no entanto, quando compreendeu o que tinha acontecido, nem por isso se sentiu inocente. Não pôde suportar a visão da infelicidade provocada pela ignorância, furou os olhos e, cego para sempre, partiu de Tebas. 

Pois é, tatu não sobe em árvore. E quem os botou lá não é capaz de tirá-los. 
E não espere que eles tenham a coragem moral de Édipo que quando não pode suportar e infelicidade provocada por ele furou os olhos e partiu de Tebas. 
Se eles não furam os olhos, pelos menos tenhamos nós a dignidade de assumir a nossa responsabilidade pelas nossas escolhas, pelos freqüentes e insistentes desmandos deste Brasil varonil. 

(*) Advogado em Cuiabá-MT – 
E-mail: rgnery@terra.com.br
            

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