segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Os Royalties e o Pará (I)


Helenilson Pontes (*)


A extração de recursos minerais gera o dever de recolher a Compensação Financeira pela Exploração Mineral – CFEM, exação que embora sem natureza jurídica tributária, na prática representa o tributo mineral do país, que incide, dependendo da substância mineral, a uma alíquota máxima de três por cento sobre o faturamento líquido da empresa mineradora. Em analogia com a legislação do petróleo, é comum denominar-se a CFEM de royalty mineral.
O Estado do Pará é o segundo em valor de produção mineral. Segundo dados do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM (Informe Mineral 2007/2008), o valor da produção mineral em 2007 no Pará foi de R$ 8,2 bi, 7,2% superior ao valor de 2006. A contrapartida que o Estado recebeu por essa gigantesca produção de minério foi de R$ 150 mi de CFEM e R$ 115 mi de ICMS. Vale dizer, a recompensa financeira que o Pará recebeu ficou em torno de 2% do valor da produção mineral que aconteceu em seu território.

Esses números obviamente reforçam o sentimento de injustiça presente na alma do povo paraense pela exploração dos seus recursos minerais, e explica os diferentes projetos objetivando o aumento das alíquotas dos royalties minerais, sendo um, inclusive, de autoria da atual Governadora do Pará quando ainda exercia o mandato de Senadora da República.
Parece indubitável que a forma de remuneração pela exploração mineral deve sofrer uma profunda alteração, até porque as alíquotas dos royalties minerais foram definidas em um momento histórico (início da década de 1990, últimos dias do Governo José Sarney) onde as grandes empresas mineradoras ainda eram estatais, logo, não havia lógica o Estado se autotributar, e o setor mineral não tinha o peso e a importância que hoje tem na economia brasileira (cerca de 6% do PIB).

No entanto, a reparação do sentimento de injustiça que o povo paraense sente não virá apenas com o aumento indiscriminado de alíquotas de royalties, o que representaria quase uma vingança contra as empresas mineradoras que hoje apenas cumprem o que prescreve a lei. É preciso equilíbrio e inteligência neste debate.
Estou convencido que a melhoria das condições de vida do povo do Pará, sobretudo nos municípios mineradores, depende primeiro da criação de instrumentos legais de controle da aplicação dos recursos derivados da extração mineral. O quadro atual é de absoluto descontrole. Os números mostram que cofres municipais abarrotados dos recursos dos royalties (os municípios ficam com 65% do total arrecadado) não significaram alterações na vida das pessoas mais humildes e nem nos indicadores sociais.

A receita dos royalties minerais, via de regra, são destinadas ao aumento das despesas públicas com o custeio da máquina pública, normalmente através da contratação de pessoal temporário, combustível do aparelhamento político das administrações municipais e instrumento de manutenção de grupos políticos no comando dos municípios.
Vivemos a “armadilha do caixa único”. Como a receita de royalties não tem aplicação positivamente vinculada, os gestores públicos a tratam no quadro das receitas totais do Poder Público, frustrando, assim, o objetivo nuclear desta receita especial que é indenizar o município pelos custos sociais, ambientais e econômicos trazidos pelos projetos minerais e, sobretudo, permitir que com essa receita extraordinária o Município possa criar cadeias econômicas alternativas e sustentáveis que possam se desenvolver paralelamente e independentemente da mineração, por essência, uma atividade com tempo definido para acabar.

É fundamental que o novo marco regulatório do setor mineral crie instrumentos de vinculação positiva da aplicação dos recursos dos royalties, e não apenas pela negativa, como ocorre hoje quando a lei apenas impede que esta receita seja aplicada na contratação de funcionários públicos efetivos e no pagamento de dívidas.
Também de pouca valia tem a criação de regras de vinculação sem o estabelecimento de mecanismos de fiscalização e controle simultâneos da aplicação do recurso. Para isso, e lei federal poderia exigir que os municípios mineradores criassem um Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável, com a participação de entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil, e instituições como o Ministério Público. Enfim, é preciso colocar “amarras” sobre a liberdade dos Prefeitos de gastar um recurso finito e extraordinário que se bem aplicado pode, de fato, representar uma alteração na qualidade de vida do cidadão.



(*) Livre Docente em Legislação Tributária e Doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo/SP

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