Antenor Pereira Giovannini (*)
Dona Lourdes é minha mãe. Hoje já está velhinha e com as mãos fracas e os dedos tortos em razão da osteoporose que de há muito lhe vem definhando. No entanto, e desde cedo, Dona Lourdes aprendeu a arte de costurar, bordar, tricotar e crochear.
Além de esse trabalho lhe proporcionar alegria e ocupar seu tempo, fazia com que algumas encomendas lhe rendessem alguma recompensa para ajudar nos gastos de casa.
Em seu quartinho de costura afora a velha máquina, havia uma infinidade de agulhas de todos os tamanhos e com pontas variadas. Algumas pequenas e tortas. Outras longas e pontiagudas. Sendo que cada uma delas tinha uma finalidade para um determinado ponto escolhido para o seu trabalho.
Bastava ter algum recém-nascido na vizinhança ou além dela, lá estava Dona Lourdes aprontando um enxoval de tricô onde não faltava o casaquinho, a touquinha de cabeça com ou sem “pompom” e principalmente o xale, que sem dúvidas era a peça principal e mais bonita do enxoval. Horas e horas atenta ao ponto. E o movimento das mãos trabalhando esses pontos era um verdadeiro bailado. Alguns passavam por cima. Outros por baixo. Outros vinham numa direção e de repente suas mãos se trançavam e já seguiam em outra direção como num passe de mágica. Alguns pontos além de passar por cima dos outros ainda obrigava que fosse dado uma espécie de nó.
Eu ficava observando admirado diante de sua agilidade e total concentração sendo que um descuido o ponto era perdido e a obrigava a desmanchar e retornar do começo.
Dona Lourdes não gostava de ser interrompida ou distraída por ninguém e quando isso a acontecia docemente pedia paciência porque tinha que acabar aquele ponto.
A lembrança do balé manual de Dona Lourdes e suas agulhas me levam a uma ponderação. Já de algum bom tempo quando abrirmos os jornais ou então ao assistimos um noticiário político pela televisão, mais e mais ficamos convencidos que a nossa política virou uma costura. Uma grande costura.
Já começa quando atual ocupante da principal cadeira no Palácio do Planalto resolve fazer uma alteração ministerial. O cargo vira uma grande toalha e o bordado é executado a muitas mãos e muitas agulhas. É tamanha a movimentação de agulhas e mais agulhas nesse chuleado para encontrar quem possa ocupar a cadeira necessitada, que os costureiros nem se dão conta (e também nem se importam é claro) se haverá mudanças nos traçados, de tamanhos de pontos e até de cores, que no fim acabam sendo desprezados.
Podemos notar que há uma passa-passa por cima de uns e de outros. Há pequenas agulhas de pontas tortas que não ajudam, mas atrapalham e por outro lado agulhas grandes e finas, mas que carregam cores diferentes e apertam o ponto para lados opostos.
Quando se fala em partidos políticos, então, a coisa vira uma enorme colcha de retalhos.
Uma enorme colcha de letrinhas. Quem está do lado de fora imagina que um partido deva ser uma associação devidamente registrada de pessoas que possuem as mesmas idéias e seguem o mesmo sistema ou doutrina política.
Onde há um estatuto, uma corrente, uma bandeira, um lema, enfim quando alguém se filia a um determinado partido, seria de crer que há uma identidade de pensamento e linha de conduta entre o partido e aquele filiado.
Seria justo acreditar que o filiado irá levar essa bandeira por muitos e muitos anos e quem sabe por toda vida, principalmente se sua linha de raciocínio e seu caráter ideológico permanecerem em comunhão com o que diz o estatuto do partido Puro engano.
Puro achismo. Pura ignorância ou ingenuidade de quem pensa assim.
Hoje, partido político é só um veículo e que interessa até o momento que sua influência no crescimento político do filiado seja contínua. Se o político observa que seu partido está perdendo a fôrça no âmbito nacional/estadual ou mesmo municipal e suas chances políticas começam a se esvaziar está na hora de mudar de partido. E muda-se, sem dor ou constrangimento.
Não importa que a camisa mude de cor. Não importa que os princípios sejam opostos ao partido anterior que defendia. Isso não importa e sim o futuro político pessoal. Muda-se do PT para o PMDB ou PPS para o PP e vice-versa ou para o PSDB e quando se derem contas o filiado foi para o PPR e assim por diante. Não importa que o bordado faça uma sopa de letrinhas complexa de se ler, o que importa é ajeitar o futuro político. E envereda-se por essa teia enlameada onde nossos inimigos de ontem se tornam amigos de hoje em prol da chamada composição de apoio às bases.
É no bojo dessas manobras que voltamos ao tema da costura. Novos chuleados, novos pontos, novas agulhas, novos desenhos e estampas vão sendo aplicados em diferentes tecidos ou diferentes pontos de tricô.
Olhando pelo prisma das técnicas de costura, me vem uma sensação de que Dona Lourdes pudesse ter sido uma excelente política, dado seu alto grau de conhecimento e inquestionável habilidade na arte de costurar.
Mas logo percebo que isso não é verdade porque a arte de Dona Lourdes produziu trabalhos magníficos tanto sob o prisma da estética e beleza quanto da honestidade de propósitos.
E beneficiou uma porção de recém-nascidos e de mães que talvez não pudessem arcar com os custos dos seus enxovaizinhos.
Já a produção desses remendões da política brasileira.
(*) Aposentado e morador em Santarém

Nenhum comentário:
Postar um comentário